É preciso coletar informações sobre identidade de gênero e orientação sexual (Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 5 de julho de 2023 às 16h28.
Última atualização em 5 de julho de 2023 às 16h48.
Por Estevam José Baldon*
Nos últimos anos, houve um aumento na atenção e conscientização sobre conhecidos problemas relacionados à diversidade e à inclusão de populações pouco representadas na pesquisa clínica. Grande parte do trabalho e da discussão sobre diversidade se concentrou nas questões em torno da diversidade racial, étnica e de gênero binário (homem/mulher), mas há muitos outros aspectos da diversidade que também precisamos considerar.
Para incluir adequadamente todas as comunidades na pesquisa clínica e responder a importantes questões que afetam toda a sociedade também precisamos garantir que a área seja acolhedora e inclusiva para pessoas de todos os gêneros e orientações e identidades sexuais. Infelizmente, as estruturas tradicionais de estudos, os modelos que usamos para protocolos, documentos de consentimento e os dados que coletamos geralmente são projetados de formas que não atendem às necessidades e dados demográficos específicos da população LGBTQIAPN+, principalmente quando falamos de grupos minorizados dentro da própria comunidade.
Deixar de coletar informações sobre identidade de gênero e orientação sexual significa que pode haver outras doenças, condições e fatores de risco que podem ser um problema significativo nessa comunidade e que, dessa forma, permanecerão desconhecidos. E, também, que estamos perdendo a oportunidade de aprender sobre como as intervenções ou tratamentos podem ter eficácia diferente em pessoas LGBTQIAPN+, o que é relevante nas tomadas de decisões individuais e nos esforços de acesso equitativo a saúde pública.
Uma questão básica e que deve ter atenção especial acontece durante a fase inicial da pesquisa, na qual devem ser pensadas as perguntas sobre identidade de gênero, por exemplo. Afinal, estamos falando também de homens e mulheres trans, não somente da mulher e do homem, com o sexo atribuído ao nascimento, a diversidade, equidade e inclusão tem de estar contemplada em todas as fases do processo. Para isso acontecer, temos de ter pessoas que pensem de maneira mais ampla a diversidade, equidade e inclusão nessas etapas.
A inclusão nas considerações de cuidados de saúde para pessoas transgênero também é essencial; por exemplo, homens transgêneros – atribuídos ao sexo feminino no nascimento – podem ter doenças ginecológicas, como a endometriose e o câncer de colo de útero (ambas frequentemente mal diagnosticadas), enquanto mulheres transgênero – atribuídas ao sexo masculino no nascimento – podem precisar de exames regulares para câncer de próstata e câncer anal.
Pequenas mas pontuais alterações em protocolos clínicos, documentos de consentimento e formulários de coleta de dados podem resultar em grandes avanços, permitindo a análise dos dados de forma a entender e tratar melhor as necessidades de saúde dessa comunidade e tornar os estudos mais acolhedores e inclusivos, a fim de que as pessoas que fazem parte da comunidade LGTBQIAPN+ se sintam confortáveis e seguras em participar.
Ao final deixo uma provocação. Eu, como gerente médico, homem cisgênero, gay (ou seja, integrante da comunidade LGBTQIAPN+), se não estivesse aqui, em uma posição que traga essa discussão dentro do ambiente de trabalho e da pesquisa clínica, com um certo conhecimento das dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans, se não trabalhasse na área médica ou se trabalhasse com qualquer outro assunto, essa reflexão sobre a pesquisa clínica seria levada em consideração? É necessário pensar, discutir e interiorizar as discussões de DE&I dentro das empresas. Essa é uma real necessidade, e isso abrirá portas para um futuro mais justo, equitativo e com saúde para todos.
*Estevam José Baldon é gerente médico da MSD Brasil
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