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ESG e o farol para as mudanças que não podem mais tardar

Nos primeiros meses do ano a mídia já noticiou mais de 400 casos de pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão

A escravidão teve realmente um fim? (Stock/Getty Images)

A escravidão teve realmente um fim? (Stock/Getty Images)

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Publicado em 27 de março de 2023 às 17h55.

Última atualização em 28 de março de 2023 às 08h02.

Por Marina Spínola* 

A leitura dos jornais e portais de notícias está nos fazendo revisitar um passado que nos envergonha. Somente nos dois primeiros meses do ano, a imprensa noticiou operações do Ministério do Trabalho que resgataram mais de 400 pessoas em condições análogas à escravidão. Embora o tema tenha voltado com intensidade ao debate público no último mês, os números revelam que o Brasil insiste em conviver com essa prática intolerável e ainda há muito a fazer para virarmos de vez esta página da nossa história.  

Nos últimos 28 anos – desde 1995, quando o Brasil deu início aos grupos de fiscalização móvel – já foram resgatadas mais de 60 mil pessoas submetidas à escravidão contemporânea. Em 2022, 2,5 mil trabalhadores foram vítimas dessa situação, em mais de 460 operações de fiscalização em 117 empregadores.  

Apesar dos últimos escândalos que tivemos notícias terem ocorrido em vinícolas do Rio Grande do Sul e em fazendas de cana-de-açúcar em Goiás, Minas Gerais lidera, desde 2013, o ranking de números de trabalhadores libertados de condições análogas à escravidão no Brasil. Em 2022, o maior resgate individual de trabalhadores também ocorreu em Minas, no município de Varjão de Minas, com 273 pessoas em fazendas de cana-de-açúcar. O estado que carrega a liberdade na própria bandeira, “Libertas quae sera tamen”, foi palco da Chacina de Unaí, como ficou conhecido o assassinato de funcionários públicos que fiscalizavam a região, em 2004. O recorde histórico, no entanto, é do Pará, quando em 2007, 1.064 pessoas foram resgatadas de uma usina de cana no município de Ulianópolis. 

Os dados de 2022 revelam outra face triste da nossa herança escravocrata, contra a qual o Brasil precisa, urgentemente, se rebelar. Mais de 80% das pessoas resgatadas se declaram negras. Ano passado, três indígenas foram libertados no Mato Grosso do Sul, em fazenda de eucalipto. E 148 resgatados em 2022 eram migrantes, o que significa um aumento de 100% em relação a 2021.  

Os números assustam. Revelam traços cruéis da nossa cultura que ainda não fomos capazes de transformar. Expressam traços de uma cultura empresarial que o mundo dá sinais de que não serão mais aceitos. Levantamento da plataforma de dados Impact ESG, do Google, em parceria com o MindMiners e Sistema B, indica que quatro em cada cinco consumidores consideram importante que as empresas tenham ações que impactem positivamente o meio ambiente, o social e a governança. E mais, segundo o Trust Barometer 2022, estudo de Confiança realizado pela Edelman, todos os stakeholders cobram responsabilidade das empresas.  

Reconheço que transformar culturas organizacionais não é uma tarefa fácil. Mas é preciso avançar. Há alguns anos, numa sala de aula da Fundação Dom Cabral, o renomado professor de estratégia Henry Mintzberg, ao falar com um grupo de CEOs sobre o papel das lideranças no mundo de hoje, deu o recado: “no more statement!”. Ou seja, chega de declarações e discursos. É preciso agir, praticar. As lideranças não podem mais tolerar o intolerável. Se o gargalo está na cadeia de suprimentos, dêem as mãos aos fornecedores e estimulem a mudança. Muitas empresas já possuem, nos times de Compras e Suprimentos, profissionais dedicados a irem além das regras de compliance e fazerem visitas in loco para garantir o respeito aos direitos humanos em toda a cadeia.  

Felizmente, o ESG chegou como um farol para iluminar esses caminhos nas empresas e pode, realmente, ser uma ferramenta decisiva para que o Brasil e as nossas empresas entrem de vez no século 21 e deixem melhores legados para as futuras gerações.  

*Marina Spínola é diretora de relações institucionais e sustentabilidade da FDC 

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