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ESG: Do ano sabático ao desenvolvimento sustentável

Mesmo que aplicada na prática por poucas vezes e em poucos lugares, a ideia de sustentabilidade existe como conceito há alguns milênios

A ideia de sustentabilidade é milenar (Holloway/Getty Images)

A ideia de sustentabilidade é milenar (Holloway/Getty Images)

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Publicado em 12 de julho de 2022 às 15h29.

Participei na semana passada do seminário Cidades Verdes – 10 anos, realizado pelo Instituto Onda Azul, como representante da Beon / Grupo FSB. Tive a honra de fazer a palestra de abertura do evento, que aconteceu no Centro de Convenções da Firjan e foi repleto de homenagens a Alfredo Sirkis, um dos pioneiros e principais lideranças da sustentabilidade no Brasil, especialmente na esfera das políticas públicas.  A relevância da ocasião me levou a escrever algumas reflexões, que reproduzo parcialmente a seguir.

Gostaria de pensar sobre a origem do conceito de desenvolvimento sustentável, ideia que trata de como nos relacionamos com o planeta e a sociedade de modo a produzir prosperidade e atender as necessidades atuais sem comprometer a capacidade de gerações futuras atenderem as suas, como definiu o relatório Brundtland, também chamado Nosso Futuro Comum.

Vocês já ouviram dizer que esta não é, definitivamente, uma agenda nova. E isso é verdade. Há, contudo, divergências sobre quão antigo é este conceito. Me propus a pensar sobre qual seria o marco inicial da ideia de sustentabilidade. De antemão, quero pedir desculpas porque talvez tenha ido longe demais.

Me parece que a ideia de sustentabilidade é milenar. Mesmo que aplicada na prática por poucas vezes e em poucos lugares, ela existe como conceito há alguns milênios. Sei que outras espiritualidades que remontam à antiguidade também tratam disso, mas o que eu posso mencionar aqui é um pouco daquela que vivencio e conheço mais de perto, que é a fé cristã, que tem a bíblia como um de seus fundamentos.

Interessante notar que no livro sagrado lemos textos que reforçam a ideia do direito à terra como direito à vida, de um uso racional e sustentável de recursos que não nos pertencem, mas dos quais usufruímos, assim como da necessidade de cuidado com os mais vulneráveis, via distribuição de bens e atendimento a necessidades.

De acordo com o doutor em ciências da Religião Valmor da Silva: “o texto bíblico, assim como a terminologia usada para designar a terra, demonstram que há uma conaturalidade entre as pessoas e a terra. [...] As leis sobre o ano sabático e o ano jubilar visam garantir a posse e o uso da terra de maneira justa e equitativa. Segundo essa visão da Bíblia Hebraica, uma outra relação com a terra é possível, com uma mística de respeito à vida em sua totalidade [...] A lei bíblica irmana terra, animais e pessoas, como criaturas divinas, de direitos plenos. Assim como Deus ouve o clamor do povo oprimido (Êx 3,7), assim também ouve os gritos de socorro da terra explorada. O profeta Jeremias se pergunta: ‘Até quando se lamentará a terra, e ficará seca a erva de todo campo? Por causa da maldade de seus habitantes perecem os animais e os pássaros’ (Jr 12,4)”.

Apesar da sabedoria milenar, contudo, nossa relação com o planeta nunca seguiu exatamente esses ensinamentos. E no processo que culminou com a globalização, os povos cristãos, que não poderiam argumentar falta de conhecimento sobre os preceitos bíblicos, lideraram a expansão de um modelo de crescimento baseado na exploração da natureza e de outras pessoas como mecanismos aceitáveis. Esse modelo se transformou em hegemonia.

Passou a prevalecer a lógica utilitarista, em que a natureza é tratada como recurso a ser explorado. A floresta é tratada como um empecilho ao desenvolvimento. E outras pessoas, especialmente as mais vulneráveis, são tratadas como partes de uma máquina destinada unicamente à maximização do retorno financeiro.

Não tenho a pretensão de fazer uma história do desenvolvimento, mas é fundamental compreender que chegamos ao mundo contemporâneo conduzidos por um modelo social, econômico e mental baseado na exploração de recursos. E que esse modelo é contrário às premissas éticas que guiam nossas culturas, seja dentro do cristianismo ou em outras espiritualidades que também buscam promover uma relação de respeito entre indivíduos, sociedades e natureza. Esse conflito me parece parte importante da explicação sobre a emergência de ideias como a da sustentabilidade contemporânea e da própria sigla ESG.

Não deixemos perder de vista que mesmo modernas e inovadoras, essas práticas nada mais são do que meios pelos quais tentamos reconstruir uma relação de respeito com o mundo em que habitamos e com a sociedade da qual fazemos parte. Uma ideia milenar, que está presente em nossa cultura e no fundo de nossas mentes e corações. Mas que precisa ser resgatada, valorizada e tratada como o que realmente é: a maior responsabilidade ética de nossa geração e a única chance de sobrevivência da nossa espécie.  

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB

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