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Ele desistiu de ser jogador de futebol. Hoje, sua OSC mira a formação digna para jovens da base

Fernando Lopes é fundador do Instituto Contra-Ataque, que impactou mais de 150 jovens em situação de vulnerabilidade social em 2024

Fernando Lopes, fundador do Instituto Contra-Ataque.jpeg (Instituto Contra-Ataque/Divulgação)

Fernando Lopes, fundador do Instituto Contra-Ataque.jpeg (Instituto Contra-Ataque/Divulgação)

Aquiles Rodrigues
Aquiles Rodrigues

Repórter Bússola

Publicado em 18 de junho de 2025 às 15h13.

Última atualização em 18 de junho de 2025 às 15h39.

“Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?” Boa pergunta, Samuel Rosa. No Brasil, mais de 10 milhões de jovens estão em situação de vulnerabilidade social. Segundo dados do IBGE de 2023, esses jovens estão na condição “nem-nem” – nem trabalham, nem estudam. Como o futebol é uma paixão nacional, não é de se surpreender que muitos desses jovens tenham estrelas do esporte como heróis, vendo-o como bilhete dourado para ascensão social

Mas a realidade é desanimadora. Apenas 1 em cada 7 mil jovens da base conseguem se tornar jogadores profissionais. Para os que ficam, muitas vezes em comunidades dominadas pelo crime organizado, a falta de referências proporciona futuro incerto ou até mesmo marginal. A solução para o desamparo destes jovens? Contato com novos heróis

Gestor de projetos, empreendedor e líder social, Fernando Antônio dos Santos Lopes desenvolveu a ideia na forma de uma OSC que leva jovens da base, meninos e meninas da rede pública de ensino, para jogar em universidades dos municípios do estado do Rio de Janeiro. O Instituto Contra-Ataque foi fundado em 2022 e, no ano passado, impactou mais de 150 jovens com mais de 200 ações de impacto social. 

“O que referência da grande maioria é o fogueteiro ou o gerente da boca que tem o cordão de prata e todo mundo respeita porque ele tem uma arma na cintura. Quando você pega um menino da comunidade, leva para dentro de uma instituição de ensino superior e faz com que ele veja um rapaz passando com jaleco de doutor ou outra pessoa com aquele canudo da arquitetura, você começa despertar uma curiosidade nele. Você começa a democratizar esse espaço e apresentar uma nova perspectiva”, Fernando conta. 

De um menino da base para outros

Fernando tem 30 anos, é natural de Campos dos Goytacazes, formado em Administração Pública e mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Mas este era seu plano B. Quando tinha 14, seu objetivo era ser jogador profissional de futebol.

“Por muito tempo tentei esse sonho. Fui atleta de categoria de base, passei no Americano FC e acabei largando meu técnico em química para tentar seguir essa trajetória no futebol. Fiquei um tempo no clube e também joguei em outros times de base, mas sofri duas lesões no joelho”, conta. 

O choque, de abandonar o sonho do futebol o fez perceber que tinha sorte. Com uma família que incentivava o caminho da educação, ele ainda tinha alternativas que os jovens com quem convivia não tinham.

Fernando inverteu os planos. Seguiu com uma carreira com vasta experiência em ações de impacto social. No caminho, teve sucesso com a iniciativa Negócios de Alto Impacto Social, que durante a pandemia criou lojas colaborativas de economia solidária dentro de shoppings no seu município, fomentando o empreendedorismo solidário.

Ele também fundou duas empresas dentro do segmento de alimentação, é docente na Universidade Estácio de Sá e atualmente, no setor público, é gestor de Gestor de Projetos da Prefeitura de Nova Iguaçu (RJ).

Em 2022, o Instituto Contra-Ataque surgiu como forma de devolver tudo que recebeu em sua trajetória e garantir que mais jovens da base que, como ele, não se profissionalizaram tenham mais oportunidades. 

“O que faz seu coração arder?”

O Instituto Contra-Ataque surgiu desta pergunta. Entre 2022 e 2023, Fernando participava do ProLíder, um programa do Instituto Four voltado para formação de líderes. Nele, os jovens de 18 a 35 anos desenvolvem habilidades para se destacar em empreendedorismo ou liderança pública, a fim de causar impacto positivo em áreas como educação, sustentabilidade, saúde e infraestrutura. 

“Um dos formadores fez essa pergunta. Aí lembrei de um dos projetos sociais que participei. Na época, um dos meus treinadores, e amigo, foi assassinado. Lembrei dele, lembrei dos outros jovens que tinham tido contato com o crime e como muitos podem ter tido o mesmo destino depois do fim do projeto. Aí pensei, ‘preciso criar alguma coisa de desenvolvimento humano usando o esporte como meio’”, conta.

Ainda no ProLíder, e com um companheiro de classe, ele criou o Instituto-Contra Ataque. Hoje, a organização está empenhada em projetos de desenvolvimento humano, educacionais, esportivos, com a captação de recursos e diversas ações de impacto. Eles atuam fazendo gestão de categorias de base de clube, visando uma formação de atletas de forma responsável. 

“A criança da comunidade, quando olha pro Neymar, pro Vini Júnior, pro Hendrick, pro Paulinho, acha que vai ganhar 10 milhões. Mas menos de 1% da base se profissionaliza. Fundamos o Contra-Ataque para intervir nesse meio e trazer um mais segurança para esses jogadores que criam uma expectativa no futebol como sua única opção de ascensão social”, conta.

Atuando a favor de ações de impacto social efetivas

Em 2024, o Instituto Contra-Ataque fez a gestão das categorias de base do Americano FC. Pela primeira vez, o time feminino do clube se preparou para o campeonato carioca dentro da UENF. Fernando conta que elas jogaram contra Flamengo, Botafogo e Fluminense. Eles viabilizaram uma cooperação técnica e seguem fazendo parte desse processo junto ao Americano da base. 

A OSC também alcança os municípios de Campos dos Goytacazes, Petrópolis e Três Rios. A equipe é multidisciplinar e intersetorial, com membros que atuam em instituições de relevância como CBF, CONMEBOL, Exército, Governos estaduais e municipais. 

  • Atletas que passaram pela organização já foram pro Boston City fazer peneira.
  • Outros já estão no Americano profissional e o instituto busca ativamente abrir portas em outros clubes. 

Esse ano a gente tem alguns projetos já aprovados na Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio. Pela frente temos muitos desafios porque o Instituto Contra-Ataque se posta como um ator que tem o intuito de fazer com que os demais atores da sociedade dialoguem. A gente parte muito da perspectiva da ‘quádrupla hélice’, a interação entre o ente público, o ente privado, as instituições de ensino, as universidades e a sociedade civil. 

“Todos temos condições de ser protagonistas. Basta oportunidade”

Segundo Fernando, para criar uma iniciativa de impacto social efetiva, é essencial estar atento a qualquer sinal de aprendizado. É preciso estar aberto, ter humildade e “entender que pessoas formam pessoas, pessoas curam pessoas e sozinho a gente não faz nada.

A noção veio da sua experiência pessoal. Quando fala do amigo falecido, que o inspirou a criar o instituto, ele conta a história de um rapaz com perfil comum aos jogadores da base: um menino negro em situação de vulnerabilidade, com pai presidiário, e que se envolveu com drogas na juventude, mas aos 36 anos fundou um projeto social que foi sua redenção.  

“O Dudu deixou a semente que deu origem ao Instituto Contra-Ataque. A resiliência, a procura pela paz, a força e a motivação dele de ver a transformação dos jovens me inspirou. Ele podia ter tomado a decisão equivocada que fosse no passado, ele me ensinou muito. Hoje, como líder, sei que superar vieses, sair da bolha e entender que cada um tem sua história são ações essenciais. Todos nós temos a condição de ser protagonistas. Basta ter oportunidade”.

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