DPU é responsável pela promoção e tutela dos direitos humanos, bem como prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas hipossuficientes (Divulgação/Divulgação)
Bússola
Publicado em 7 de fevereiro de 2022 às 17h10.
Por Eduardo Kassuga*
A Emenda Constitucional (EC) 80/2014 foi um verdadeiro marco na história das instituições do país. Reconhecendo o que a sociedade brasileira já percebia, o Congresso Nacional declarou que a Defensoria Pública é instituição permanente e essencial à justiça, responsável pela promoção e tutela dos direitos humanos, em caráter individual e coletivo, bem como por prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas hipossuficientes.
Assim, determinou que o Estado brasileiro, no prazo de oito anos, completasse o ciclo de implementação da Defensoria Pública em todo país, estruturando a instituição de modo a assegurar o cumprimento da sua missão constitucional. Parecia que, finalmente, a assistência jurídica às pessoas mais vulneráveis seria uma preocupação nos projetos de governo.
Ledo engano. O ano é 2022, quase oito anos se passaram, e a Defensoria Pública está muito longe de ser implementada no país, revelando uma síndrome de ineficácia da norma constitucional com a qual poucas autoridades parecem importar-se.
No âmbito federal, em que pesem os avanços normativos, salta aos olhos como não há nenhuma preocupação com a Defensoria Pública da União (DPU). Formalmente autônoma, materialmente dependente de um projeto de estruturação, nunca foi a DPU objeto de efetiva atenção de nenhum governo. Ao contrário, o que se vê neste início de ano é mais uma iniciativa no sentido de enfraquecê-la.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022 foi sancionada com uma redução de 60% na verba de pessoal da DPU. Além de drástico, o corte atinge um orçamento que tende a ser 24 vezes menor do que o do Poder Judiciário federal, 12 vezes menor do que o do Ministério Público da União (MPU) e seis vezes menor do que o da Advocacia Pública federal.
Existem 643 defensoras e defensores públicos federais que enfrentam a expectativa de atender a todo o país, mesmo com recursos materiais e humanos para mal se instalarem em menos de 29% dos locais onde há seções e subseções da Justiça Federal. Do outro lado, o MPU conta com algo em torno de 1.150 membros e a AGU com mais de 5 mil. A disparidade institucional não é evidente, é absurda.
A DPU se contrapõe a tais instituições no sistema de justiça em favor de quem é mais pobre, menos informado, menos apto a vencer uma demanda e mais vulnerável a toda sorte de violações de direitos humanos. E essa posição de desvantagem perante o Estado é reafirmada quando a única instituição com vocação, interesse e capacidade para fazer a melhor defesa jurídica é absolutamente defasada no âmbito material e humano.
Implementada de forma emergencial e provisória com a Lei 9.020/1995, a DPU segue essencialmente da mesma forma como surgiu: relegada pelo Estado brasileiro. Ainda assim, apresenta-se proeminente no sistema de justiça graças aos valorosos esforços de defensoras e defensores federais comprometidos com os objetivos institucionais de assistir os grupos sociais em situação de insegurança social extrema.
A carreira também não se encontra estruturada, verificando-se, como efeito, um quadro de violações à garantia da inamovibilidade, da vedação dos trabalhos gratuitos da Lei 8.112/1990, além da falta de qualquer expectativa de progressão funcional. Pelo menos 140 funções são exercidas gratuitamente, em que pese toda a complexidade e responsabilidade inerente. Além disso, as 70 unidades da DPU espalhadas pelo país são coordenadas por apenas 12 cargos comissionados.
Desde 2016, a gestão institucional da DPU tem se empenhado, e com êxito, para cumprir fielmente as diretrizes determinadas pela política de arrocho orçamentário determinada pela emenda constitucional do teto de gastos. A DPU foi o único órgão federal que cumpriu a norma sem compensação orçamentária um ano antes do limite fixado. Apesar disso, sempre aliou economia ao rendimento institucional. Não custa lembrar que pouco mais de 600 defensores realizaram 2.844.256 atendimentos durante a pandemia.
Todos os esforços empreendidos por defensoras e defensores públicos federais para cumprir a missão que a Constituição lhes atribuiu não serão suficientes para compensar a redução orçamentária prevista atualmente. Certamente haverá menos ações itinerantes, menos projetos de ampliação da assistência jurídica, menos unidades da DPU, menos acesso à justiça, menos cidadania e, portanto, menos democracia.
A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef) espera que o Congresso Nacional e o Poder Executivo tomem providências urgentes no sentido de, pelo menos, recompor o orçamento do órgão. Mantido o atual quadro, os prejudicados serão os brasileiros mais vulneráveis que dependem da assistência da Defensoria Pública da União. Que as autoridades lancem um olhar mais atento àqueles que mais precisam do cuidado do Estado.
*Eduardo Kassuga é presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef)
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