Se teimarmos nessa rota, nada vai dar certo e não teremos país nenhum. (Andree Nery/Getty Images)
Bússola
Publicado em 18 de agosto de 2021 às 17h15.
Por Edson Luiz Vismona*
A cultura deve ser sempre valorizada. A poesia, a literatura, a música exprimem com arte o sentimento de um povo e despertam emoções, dando sentido a situações que a razão, muitas vezes, não consegue entender.
No meu último artigo me socorri do grande Pessoa para abordar a questão da ética (Para ser grande, sê inteiro). Nesse me apoio em Ignácio de Loyola Brandão, na sua obra “Não Verás País Nenhum”, para expressar um quê de perplexidade diante dos últimos fatos que assombram o nosso querido e sofrido Brasil.
São tantos que teria que escrever muito mais que o espaço que me é dado permite. Vou me limitar a dois temas que exemplificam algumas agruras que acompanho de perto.
Sabemos que para alcançar o almejado desenvolvimento devemos assegurar a segurança jurídica que permita a atração de investimentos, a geração de empregos e renda. Entretanto, longe de avançar nesse objetivo, nos afastamos a cada dia dessa meta. Com esforço, dedicação e muita competência, vamos retrocedendo.
Vejamos a questão tributária: sempre se fala na urgente necessidade de termos uma “reforma tributária” que aperfeiçoe o nosso sistema, seja ampla e que simplifique o cumprimento das obrigações e, claro, não eleve ainda mais tributos.
Esses complexos objetivos só serão alcançados com um amplo debate, com a participação de conhecedores dos meandros do direito tributário, empresários, representantes dos contribuintes, governos, sociedade civil, políticos e que haja um encontro de contas, tudo para avaliar as consequências, riscos e o alcance das medidas que serão adotadas.
Mas eis que surge um pacote que, longe da necessária cautela, promove mudanças severas na estrutura tributária: altera a tributação da renda; dos dividendos; dos lucros acumulados; não dedutibilidade dos juros sobre capital próprio; gera novos procedimentos burocráticos e vai aumentar a carga tributária, onerar investimentos produtivos e, claro, ao final, os consumidores.
Com forte reação da indústria, comércio, serviços, profissionais liberais, estados e municípios, foram apresentados pareceres pelo relator, confundindo ainda mais o que é incompreensível. É a lógica do “puxadinho”. Resultado: unânime e coesa repulsa, contrariando o dito que afirma ser a “unanimidade burra”.
Mas tudo pode piorar. A Câmara Federal decide que essa matéria deve ser votada em regime de urgência! Prejudicando uma discussão mais profunda, com estudos e debates técnicos.
Os contribuintes e os setores produtivos foram atropelados. A lógica política se afasta da sociedade, com justificativas populistas.
Ao lado dessa situação insólita, aponto outro absurdo. O Poder Executivo propõe Medida Provisória para alterar profundamente a estrutura da distribuição de combustíveis. De um lado, permitindo a venda direta de etanol pelas usinas aos postos e de outro, autorizando a venda de combustível de origem diversa da apontada pela bandeira do posto de abastecimento. Proposta açodada e inexplicável.
A singela justificativa é ilusória, o preço há de cair e o consumidor será beneficiado, como se fosse possível diminuir o preço final sem alterar a estrutura tributária que incide sobre os combustíveis. Essas concepções erradas incentivarão o não pagamento de impostos, prática que assola todo o setor.
Será muito difícil, senão impossível, fiscalizar a cadeia de distribuição e, para o caso da venda de produto diferente ao da bandeira de um posto, o consumidor será enganado, pois terá a crença de estar abastecendo com um produto de uma marca que confia e receberá algo que desconhece a origem.
Essa assombrosa iniciativa, que é aplaudida pelos devedores contumazes, nunca foi defendida pelo setor e tampouco pelos consumidores. Um verdadeiro equívoco.
Algumas perguntas: Qual a urgência para que uma ação tão disruptiva seja apresentada via MP? Quais são os reais interesses que a motivam? Os riscos foram avaliados?
Esses dois exemplos de repentinas proposições legislativas me fazem lembrar do filme de Hugo Carvana, estrelado pelo saudoso Tarcísio Meira, com o título: “Não se preocupe, nada vai dar certo”.
Tempos difíceis. Há método nessas medidas, que oneram quem contribui e, sem uma validação em estudos, não atendem aos legítimos interesses da sociedade, do consumidor, dos setores produtivos, enfim, de quem sustenta o Estado. E tudo isso em meio a uma pandemia, alta de juros e da inflação, elevado desemprego, cisão institucional, com os titulares dos poderes em claro confronto.
Perdemos o sentido de planejamento, de prioridade, de fazer o que realmente importa e estabelecemos um claro divórcio entre a sociedade e o Estado. Plantando normas erráticas, colhemos mais insegurança jurídica.
Como advogado, sou otimista, mas, tenho que ser realista. Sim, se teimarmos nessa rota, nada vai dar certo e não teremos país nenhum, pelo menos não o que queremos.
A arte fez seus alertas, temos que escutar e reagir.
*Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade — FNCP. Foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)
**Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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