É preciso urgência para implementar a economia circular (Nitat Termmee/Getty Images)
Bússola
Publicado em 10 de julho de 2022 às 19h00.
Por Guille Arslanian*
A economia circular traz para o debate público o conceito de regeneração, no qual uma indústria e toda a cadeia produtiva deve se preocupar com o impacto que seu produto e serviço causará na sociedade. Tais ideias começam a ser debatidas com mais empenho e atenção ao redor do mundo. E um dos pontos principais é a necessária adesão de grandes corporações para que o impacto na sociedade seja sentido de forma rápida e que ajude a mudar o modelo de consumo adotado até então. Mas nos últimos anos novas empresas e startups têm se dedicado a esse propósito, de promover a transformação de modelos de negócios com objetivo de melhorar a utilização e reaproveitamento dos recursos.
É a ideia de utilizar a natureza como fonte de inspiração, em uma economia na qual os recursos não renováveis são apenas um repositor do sistema e não sua fonte principal de abastecimento. E a maioria destas novas empresas criam e defendem soluções como plataforma de trocas, extensão de vida útil dos produtos, recuperação e reciclagem, supply-chain circular e Product as a Service (produto como serviço).
Um alerta feito pelo comissário do Ambiente, Oceanos e Pescas da Comissão Europeia, Virginijus Sinkevičiu, aponta que os atuais hábitos da humanidade caminham para a preocupante situação em que, até 2050, “o mundo vai consumir como se houvesse três planetas”. Isso pode parecer uma realidade distante, mas especialistas de diversas áreas mostram que não é. O conceito de economia circular surge como um contraponto ao modelo econômico linear — de extração de matéria-prima, transformação, uso e descarte de resíduos —, que está atingindo seu limite.
Trazendo especificamente para o Brasil, estima-se que perdemos todos os anos mais de R$ 8 bilhões em materiais que, após o uso, são direcionados para aterros e lixões clandestinos, e temos mais de um milhão de pessoas vivendo e trabalhando todos os dias nesses lugares insalubres. Mesmo o país tendo muitas riquezas naturais, precisamos ter consciência de que esses recursos são finitos. Não podemos negligenciar ou ignorar essa informação. Principalmente quando somos surpreendidos por dados que, segundo a Green Eletron, colocam os brasileiros na 5.ª posição dos maiores geradores globais de resíduos eletrônicos, com mais de dois milhões de toneladas descartadas apenas em 2019, registrando reciclagem de menos de 3% desse total. Certamente, se ampliarmos a visão com relação aos demais tipos de resíduos, o choque será ainda maior.
É urgente a adoção de um modelo econômico que traga oportunidades para o melhor uso dos recursos naturais e aumento da competitividade da indústria. A economia circular tem o poder de associar o desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais, por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos. A ideia primordial é depender menos de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis.
Sabemos que o processo de implantação da economia circular não é simples, pois será necessário mexer nos métodos, processos, políticas e estruturas de produção. O importante neste caso será criar uma conscientização para gerar mudanças definitivas na forma de viver em grande parte da população do planeta. O estudo da Green Eletron aponta que, por exemplo, 87% dos 2 mil entrevistados já ouviram falar sobre lixo eletrônico, mas surpreendentes 33% acreditam que o assunto refere-se a mensagens de spam, e-mails, fotos e arquivos, e não aos equipamentos.
Um levantamento recente sobre o perfil dos consumidores brasileiros, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que 38% dos entrevistados sempre verificam ou verificam às vezes se os produtos foram produzidos de forma ambientalmente correta. A pesquisa revela que os brasileiros também têm mais consciência sobre o destino do lixo. O número de pessoas que separa o lixo para reciclagem cresceu de 47%, em 2013, para 55%, em 2019. Pelo lado da indústria, a mesma pesquisa mostra que 76,5% delas desenvolvem alguma iniciativa de economia circular, embora a maior parte não saiba que as ações se enquadram nesse conceito. Entre as principais práticas elencadas pelos respondentes estão a otimização de processos (56,5%), o uso de insumos circulares (37,1%) e a recuperação de recursos (24,1%). E 88,2% dos entrevistados avaliaram a economia circular como importante ou muito importante para a indústria brasileira. A questão vai além da busca por eficiência.
Nas sociedades mais desenvolvidas, têm ganhado força e sentido a economia circular. Na comparação com a economia linear, nesse conceito de circulação, há mudanças significativas na etapa inicial (extração) e final (descarte), nas quais se aplicam os conceitos de reutilização, recuperação ou reciclagem. Assim, além de ampliar a vida útil dos produtos, a dinâmica viabiliza o melhor uso dos recursos naturais do planeta, enquanto democratiza o uso dos itens, como acontece, por exemplo, no mercado de smartphones recondicionados, que cresce 15% ano a ano, de acordo com o Global Refurbished Smartphone Tracker, da Counterpoint Research.
Olhando pelo prisma das indústrias, essa tendência tem como objetivo fazer com que as empresas não apenas reduzam custos e perdas produtivas, mas também criem novas fontes de receita, por exemplo, com estímulo à inserção de matéria-prima secundária nos processos produtivos e fomento ao mercado de troca de resíduos. A economia circular pode ainda contribuir para promover o desenvolvimento de novos elos na cadeia produtiva, por meio de práticas promovidas por este modelo, tais como: otimização de processos, produto como serviço, compartilhamento, extensão da vida do produto, insumos circulares, recuperação de recursos e virtualização.
Mas é necessário que o desenvolvimento da consciência coletiva sobre a importância da reciclagem de resíduos aconteça o mais rápido possível. Como uma evolução do comportamento social, ao longo dos últimos anos, fomos nos acostumando a separar os nossos resíduos e reciclar materiais como papel, alumínio, plástico, vidro, mas existem muitos outros materiais e produtos que merecem e podem passar por processos de reciclagem, que fazer bem para a sociedade e para o meio ambiente.
Todos estes dados demonstram o quanto ainda praticamos a ineficiente e destruidora economia linear, ou seja, extraímos recursos do planeta, produzimos os produtos desejados ou necessários, utilizamos esses itens e — muitas vezes diante do simples surgimento de uma novidade — os descartamos. Mas o que aconteceria se nós se dispusesse a pensar e praticar além das nossas necessidades, sem deixar de ter o que queremos ou precisamos?
O caminho a ser trilhado é longo, mas devemos começar com certa urgência dar os primeiros passos contínuos e de progresso. Podemos começar por conta própria, avaliando se faz mais sentido ter a posse de um bem ou é possível apenas pagarmos pelo uso do seu serviço, como acontece no mercado de compartilhamento e aluguel de carros. Importante também buscarmos alternativas para a forma de descartar um item antigo antes de adquirir um novo, como roupas, móveis, eletrônicos e eletrodomésticos. Será, por exemplo, que naquele smartphone esquecido no canto da casa não está a via para que alguém tenha acesso à tecnologia?
A economia circular deve nos fazer pensar além das nossas próprias necessidades e desejos. Ela mostra uma maneira genuína de se tornar uma pessoa mais consciente sobre as próprias ações e os impactos dela na própria vida, na rotina de outras pessoas ou do planeta. Mais do que um conceito é uma forma evoluída de pensar e viver. Muito do que o mundo precisa.
*Guille Arslanian é cofundador e co-CEO da Trocafone
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