Para melhorar o caráter das organizações, é necessário mudar o mindset da sociedade (Angelina Bambina/Getty Images)
Bússola
Publicado em 24 de agosto de 2021 às 18h54.
Última atualização em 24 de agosto de 2021 às 19h17.
Por Rodrigo Pinotti*
Tirar uma foto da equipe pode ser uma grande ação motivacional. A não ser que o time seja formado por 50 homens, todos brancos, e apenas três mulheres (todo mundo sem máscara). Aí, em uma sociedade que se manifesta hoje pelas redes sociais e que cobra inclusão e representatividade, você tem um problemão. Essa crise aconteceu na semana passada e, se você não viu, basta procurar no Google.
Eu, homem branco hétero, tenho pouca legitimidade para falar sobre racismo ou machismo. Mas tenho algum moral para falar sobre comunicação e crises corporativas. Em um mundo onde tudo é mídia e qualquer um carrega uma câmera no bolso, o caráter de uma empresa (aquilo que ela realmente é) acaba sendo muito mais determinante do que a reputação que ela tem (aquilo que nós, a opinião pública, pensamos que ela seja).
Se o caráter for ruim, a crise é só uma questão de tempo. A questão é que, como uma organização é feita de pessoas, se não alterarmos os parâmetros pelos quais essas pessoas são formadas não vamos alterar a realidade (o caráter) das organizações.
Há poucos anos eu e minha esposa fomos conhecer algumas opções de escolas particulares para os nossos filhos, um privilégio ao qual menos de 20% da população brasileira tem acesso. Visitamos uma instituição reconhecida pela qualidade do ensino e exigência alta com os alunos. Perguntamos sobre como eles abordavam a diversidade na sala de aula. Foi-nos dito que esta era uma grande preocupação e que, por isso, uma vez ao ano, os alunos realizavam um projeto assistencial em uma “comunidade”, para que conhecessem “a realidade” do lugar e a importância da “ação social”.
Esse tipo de abordagem distante está na origem da tal foto polêmica da semana passada. “Fazemos nossa parte, nossa empresa aqui doou X no mês passado.” “Eles” estão em outra realidade, longe dos pisos acarpetados das lajes corporativas. Se em sua existência inteira até ali o sujeito se viu cercado apenas de semelhantes, vai repetir o comportamento quando chega à vida profissional.
É possível mudar, mas não é simples. No último final de semana, O Estado de S.Paulo mostrou escolas particulares que buscam maneiras de promover a inclusão. Uma delas, a Vera Cruz, criou um projeto de inclusão, já iniciado em 2021, por meio do qual vai receber todo ano duas dezenas de novos alunos negros ou indígenas, na educação infantil. Financiadas pela própria escola e pelas famílias via doações, as bolsas serão mantidas até o último ano do ensino médio. Não é um programa de cota. É uma mudança em uma escola particular de referência que vai formar os dirigentes das empresas daqui a 20 anos.
Duas décadas é bastante tempo. As empresas têm o poder de acelerar isso; porém, não basta encher o comercial na TV e os vídeos institucionais com negros, casais homoafetivos e gêneros não binários se, no board, só há homens brancos. É verdade que temos visto mais iniciativas para a promoção da diversidade racial e de gênero, mas o impacto ainda é pequeno. Falta muito para que ações afirmativas sejam institucionalizadas
Uma pesquisa divulgada no final de 2020 pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial mostrou que profissionais negros ocupam apenas 6,3% dos cargos de gerência em 23 grandes empresas nacionais e multinacionais, e apenas 4,9% das cadeiras em Conselhos. Uma pesquisa da Bain & Company mostrou que em março de 2021 apenas 3% dos executivos em cargos de CEOs das 250 maiores empresas brasileiras eram mulheres. Não mais do que 59% das pessoas trans e travestis parte da população economicamente ativa exerciam atividade remunerada, e ainda assim a maioria de maneira informal, mostrou um levantamento da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo feito em janeiro último.
Para melhorar o caráter das organizações, é preciso mudar o mindset (clichê, mas foi de propósito) da sociedade. Somos hoje, nas empresas, parte do problema, caminhando para sermos parte da solução. Só que não basta visitar uma comunidade uma vez por ano. É preciso fazer força para que a comunidade faça parte da foto da equipe, até o dia em que não seja possível identificar a diferença entre uma e outra.
*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação
**Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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