Manter processos manuais em aeroportos e portos significa correr o risco de congestionamentos (Flavio Coelho/Getty Images)
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Publicado em 31 de outubro de 2025 às 10h00.
Por Daniel Granado*
A experiência de cruzar fronteiras sempre esteve associada a filas, documentos carimbados e longas esperas.
Em um mundo onde tudo acontece em poucos cliques, o controle de fronteira não pode permanecer preso a práticas do século passado. A boa notícia é que estamos diante de uma transformação silenciosa, mas profunda: a digitalização das fronteiras.
Um exemplo emblemático é o lançamento do Sistema de Entrada/Saída (EES), previsto para o último trimestre de 2025 na União Europeia.
O EES substituirá os tradicionais carimbos em passaportes pela coleta digital de dados biográficos e biométricos de viajantes de fora do espaço Schengen. O objetivo é claro: aumentar a segurança, reduzir gargalos e agilizar o fluxo de passageiros em um bloco que recebe milhões de viajantes todos os anos.
Essa mudança não ocorre isoladamente. Governos em todo o mundo reconhecem que sistemas de fronteira ineficientes não apenas afetam a experiência do viajante, mas também comprometem economias inteiras.
De acordo com a IATA, mais de 70% dos passageiros ainda enfrentam longas filas e verificações repetitivas, e os volumes de viagem seguem em expansão.
Em 2024, o tráfego global de passageiros cresceu 10,4% em relação a 2023, já superando os níveis pré-pandemia. A ICAO projeta que saltaremos de 4,6 bilhões de viajantes em 2024 para 12,4 bilhões em 2050. É um desafio monumental.
Não por acaso, o tema esteve no centro da ICAO Innovation Fair 2025, realizada em Montreal, nos dias 21 e 22 de setembro, antecedendo a assembleia da organização.
Sob o lema “Horizontes Globais: Inovações Inclusivas para a Aviação”, o evento reuniu governos, indústria, academia e organizações internacionais em torno de um consenso: inovação tecnológica é peça-chave não apenas para garantir segurança e eficiência nas fronteiras, mas também para alinhar a aviação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
No Brasil, essa discussão é igualmente urgente. Somos um dos maiores mercados de aviação da América Latina, com forte dependência do turismo e do comércio internacional.
Manter processos manuais em aeroportos e portos significa correr o risco de congestionamentos, perda de competitividade e, sobretudo, experiências negativas para quem visita ou retorna ao país.
A digitalização das fronteiras não significa abrir mão da segurança — ao contrário, significa tornar a segurança mais inteligente, dinâmica e proporcional ao risco real.
A tecnologia já permite a pré-liberação de passageiros ainda antes da chegada ao país através do uso de identidades digitais seguras que, além de substituir documentos físicos, permitem o cruzamento de informações em tempo real entre imigração, alfândega, saúde pública e autoridades de segurança.
Essas soluções não são ficção científica. Países como Aruba já demonstram o potencial desse caminho: lá, passageiros podem passar pelo controle de fronteira em até 8 segundos graças ao uso de identidades digitais e biometria.
O Brasil tem diante de si uma oportunidade estratégica: modernizar seus sistemas de fronteira de forma integrada, coordenada e escalável.
Isso significa começar com passos concretos — como expandir o uso de biometria e credenciais digitais em aeroportos — e construir gradualmente uma arquitetura que permita mais fluidez e menos atrito.
A mobilidade internacional seguirá crescendo, assim como as exigências de segurança.
Mas a fronteira do futuro não deve ser sinônimo de barreira: deve ser um espaço inteligente, que garanta proteção e, ao mesmo tempo, facilite o movimento eficiente de pessoas e mercadorias.
“Das filas aos cliques” não é apenas uma metáfora. É a trajetória inevitável de governos que entendem que viagens tranquilas começam em fronteiras inteligentes.
Cabe ao Brasil se alinhar a essa transformação global, para que cada carimbo perdido seja substituído pela confiança de uma jornada mais ágil, segura e sem atritos.
*Daniel Granado é Diretor Brasil da SITA, empresa líder mundial em comunicações de transporte aéreo e tecnologia da informação. Atua há mais de 15 anos em tecnologias de controle de fronteiras, participado, direta e indiretamente, de implementações de tecnologias em aeroportos internacionais no Brasil e América Latina.