Bússola

Um conteúdo Bússola

Discussão sobre cannabis deve ser norteada apenas por elementos técnicos

A discussão sobre a legalização da cannabis não devia se limitar à crenças e dogmas

Cannabis tem diversos benefícios medicinais (danielzgombic/Getty Images)

Cannabis tem diversos benefícios medicinais (danielzgombic/Getty Images)

B

Bússola

Publicado em 29 de novembro de 2022 às 12h30.

A quem interessa a proibição das atividades de cultivo, processamento, importação e exportação de produtos, notadamente medicamentos, à base de Cannabis spp no Brasil?  Essa é a pergunta central que deve ser lançada para inaugurar qualquer debate sobre o tema.

Isso porque à parte os argumentos objetivos que envolvem a venda de qualquer substância controlada, persistem manifestações contrárias à exploração da cannabis com base em juízos de valor formados a partir de ideologias e paradigmas, via de regra vinculados a convicções estritamente pessoais.

“Que Deus nos livre da maconha no Brasil”, diz o Deputado Pastor Eurico (Patriota-PE) na sua “justificativa” de voto contrário ao PL 399/2015, que trata do marco regulatório da Cannabis spp. Tal declaração retrata o desconhecimento (para dizer o mínimo) sobre o leque de oportunidades que o cultivo da planta pode proporcionar e, ao mesmo tempo, simboliza o obsoleto estigma de que a cannabis é igual à maconha in natura.

A esse respeito, não se deve confundir a maconha com os medicamentos formulados a partir do óleo de canabidiol (CBD), que são manipulados, formulados e prescritos para o tratamento de determinadas patologias e que, bem por isso, são a tábua de salvação de famílias e pacientes clínicos que necessitam desses fármacos.

Do ponto de vista médico-sanitário, se por um lado a Anvisa avançou na regulamentação da cannabis medicinal por meio das RDCs 327 e 335, por outro, o Conselho Federal de Medicina recentemente flertou com o retrocesso ao editar a Resolução nº 2.324 de 11 de outubro de 2022, disposta a limitar sensivelmente as hipóteses de prescrição e tratamento clínico pelo CBD. Tamanha foi a impropriedade de tal medida que, em seguida e após severas críticas, o CFM suspendeu a sua vigência (em 24/10/2022).

De outra banda e tão importante quanto, o assunto também deve ser examinado sob o viés econômico, por uma série de fatores.

O principal deles se deve ao fato de que 80% das terras cultiváveis no Brasil são aptas para a produção da cannabis industrial, o que permitiria que a matéria-prima brasileira tivesse o menor custo internacional, a um quinto do preço da canadense e competindo com a colombiana.

Nesse sentido, projeta-se que o CBD poderia movimentar anualmente cerca de R$ 5 bilhões, quantia equivalente a cerca de 7% do faturamento da nossa indústria farmacêutica, considerando que o país tem aproximadamente 4 milhões de pacientes que se beneficiam da substância.

E além da produção para fins medicinais, o cânhamo, espécie da planta não dotada de efeitos psicoativos, tem larga utilidade na indústria de cosméticos, têxtil e na construção civil. Não à toa, a atual Farm Bill – a Lei da Agricultura dos EUA – retirou da classificação de drogas as variedades de cannabis com menos de 0,3% de THC, o que a caracteriza como uma commodity agrícola, tal como o milho, a soja ou o trigo.

Por aqui, mais de 20 empresas já manifestaram à ANVISA interesse no cultivo da cannabis no Brasil e, à míngua de uma legislação nacional permissiva, esse investimento tem sido direcionado para países vizinhos onde a regulamentação já existe.

Nesse contexto, está claro que não há mais espaço para a sobrevivência de ideias retrógradas dispostas a impedir que milhões de brasileiros tenham o acesso direto a medicamentos essenciais para a saúde e que, ao mesmo tempo, sugerem verdadeiro desperdício de dinheiro e de potencial industrial de um bem de mercado.

Ao menos dentro dos ideais republicanos, qualquer discussão que envolva questões de saúde pública e de ordem socioeconômica deveria ser norteada estritamente por elementos técnicos, e jamais por crenças e dogmas.

*Lucas Menicelli Lagonegro e Samuel Bueno são advogados especialistas pelo /asbz

Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube

VEJA TAMBÉM:

Acompanhe tudo sobre:DireitoDiversidadeMaconhaPolêmicas

Mais de Bússola

Além do capital: estratégias para o crescimento sustentável das fintechs brasileiras

Empresa aposta no interesse dos brasileiros por ‘casas de marca’ nos EUA

Evento do setor de alimentação divulga dados exclusivos do relatório de felicidade global 

Opinião: a lei de resíduos sólidos pegou de verdade?