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Danilo Maeda: como me descobri machista

Ao ser educado em uma sociedade machista é preciso intenção, educação e esforço para tentar se livrar de tais estruturas

 (Johner Images/Getty Images)

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Publicado em 8 de março de 2022 às 12h53.

Última atualização em 8 de março de 2022 às 13h03.

Por Danilo Maeda*

Este não é um texto fácil de escrever. O desconforto, no caso, é um sinal de que o assunto é relevante. Então vamos em frente. Esta é uma retratação por um texto que você certamente não leu, mas sinto que tenho o dever de fazê-la mesmo assim. Há cerca de 15 anos, escrevi uma crônica na qual argumentava que o Dia Internacional da Mulher poderia ser extinto. Dizia (em tom pretensamente bem-humorado) que as qualidades femininas superam em tanto as masculinas que seria questão de tempo até elas suplantarem os homens na ocupação dos espaços de poder.

Me arrependo profundamente de ter escrito isso e fico aliviado de que o texto em questão, publicado em um blog pessoal de pouquíssima leitura, não tenha repercutido. Contudo, me assombra pensar que ignorei as necessárias lutas por igualdade de gênero no século 21 em troca de um otimismo piegas e descompromissado. Sim, eu fui (sou) esse cara. Se minhas posições de hoje passam a ideia de que estou desconstruído e engajado, é preciso lembrar que foi necessário passar por um processo.

Levei algum tempo até perceber que ao ser educado em uma sociedade machista seria preciso intenção, educação e esforço para tentar me livrar de tais estruturas. Estava naquele grupo que aponta a sociedade como predominantemente preconceituosa, mas não se vê como parte do problema. Graças à repercussão da luta feminista e de outros grupos minorizados, tive contato com conceitos e conteúdos que abriram o entendimento para perceber que estruturas de poder se espalham por vários aspectos da vida e impactam a todos. Ninguém passa imune por uma sociedade doente.

Exclusão e preconceito se fazem presentes no trabalho, com subrepresentação em posições de liderança e diferenças salariais entre pessoas com mesma formação e cargos; na exposição à violência machista (mas também racista e LGBTQIAfóbica); na política, com homens brancos e ricos dominando os espaços em que são tomadas decisões que afetam toda sociedade; na cultura, com o silenciamento de grupos minorizados e a atenuação de transgressões de quem detém privilégios.

Até a linguagem é machista. Um bom exemplo, que tem sido relevante em meu aprendizado, é a troca do substantivo “esposa” por “mulher”. Dificilmente paramos para pensar que enquanto o primeiro termo, mais adequado, trata da relação entre as pessoas (minha esposa é a pessoa com quem sou casado), o segundo remete à ideia de posse, afinal o substantivo “mulher” designa a pessoa como um todo. Adivinha qual termo é mais utilizado na mídia e na sociedade?

Outro aprendizado relevante dessa jornada foi o de dar visibilidade a especialistas de grupos minorizados não só quando a pauta é diversidade. Venho tentando fazer isso aqui na coluna e aproveito para lembrar de como a sustentabilidade é uma agenda feminina desde sua origem, com mulheres como Rachel Carson, autora do livro Primavera Silenciosa, um marco no tema, e Gro Brundtland, que liderou o trabalho do relatório “Nosso Futuro Comum”, no qual foi proposto pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável.

Voltando ao início do artigo, é verdade que muita coisa mudou nessa década e meia, mas a luta se faz tão necessária quanto sempre. Se por um lado há maior conscientização sobre temas como igualdade, vieses inconscientes e direitos das mulheres, ainda convivemos com disparidades salariais, violência de gênero e cultura do estupro.

Há 15 anos, era impensável discutir masculinidade tóxica e propor mudanças de comportamento em grupos de amigos homens. Hoje isso é uma realidade normal em meus círculos. O viés cognitivo de proximidade poderia me levar a dizer que avançamos. Mas não há o que comemorar em uma sociedade na qual um representante eleito faz declarações misóginas e machistas sobre refugiadas de guerra.

Diferente do que escrevi há 15 anos, não tenho dúvidas sobre a necessidade do Dia Internacional da Mulher como um momento de visibilidade para uma luta que se trava todos os dias com justa causa e na qual todos temos papéis a cumprir.

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

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