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Cresce a representatividade feminina no mercado cervejeiro

Em entrevista à Bússola, cofundadora da Cervejaria Atrium relata situações enfrentadas por mulheres que atuam no setor

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Publicado em 7 de março de 2022 às 18h30.

Ainda hoje é comum associar a cerveja ao universo masculino, embora historicamente essa conexão esteja incorreta. Registros indicam que a invenção da bebida é obra de uma mulher e a inserção do lúpulo nas receitas, um marco importante para o aperfeiçoamento da cerveja, também. Entretanto, as propagandas machistas do passado tornam necessária a desconstrução e o questionamento da presença feminina nesse setor.

Pesquisa realizada recentemente pela Kantar, apontou que as mulheres das classes A e B, que têm entre 40 e 49 anos, foram as principais responsáveis pela alta de 27% no número de consumidores de cerveja no terceiro trimestre de 2021 no Brasil em comparação com o mesmo período de 2019. Além de movimentarem financeiramente esse setor como consumidoras, as mulheres também estão assumindo cargos que, anteriormente, eram direcionados apenas ao público masculino.

Essas mulheres estão na produção, na área técnica e de inovação. Porém, mesmo atuando em postos de liderança, ainda são subestimadas e enfrentam desafios diários relacionados ao gênero. A Bússola conversou com Paula Yunes, cervejeira e cofundadora da cervejaria belga Atrium, para entender os desafios enfrentados pelo público feminino dentro do mercado cervejeiro.

Bússola: Qual é o maior desafio das mulheres no mercado cervejeiro?

Paula Yunes: Ter o respeito dos colegas e dos clientes. Tenho três mulheres no meu time e, sinto isso tanto comigo, quanto com elas. Outro dia postei um vídeo de duas delas colocando levedura em um tanque. Recebi dois comentários tirando sarro como se a quantidade estivesse errada.

Eles não sabem quanta cerveja tinha naquele tanque nem qual o objetivo daquela adição, mas partem do pressuposto que estava errado e se sentem na liberdade de comentar. Já postei vídeos semelhantes com algum dos funcionários fazendo o mesmo e não tive nenhum comentário negativo.

Muitos clientes ainda acham que cerveja não é coisa de mulher, então não querem ouvir explicações de uma mulher, mas quando um homem explica eles ouvem com atenção.

Infelizmente, muitas vezes mulheres perguntam se tem alguma cerveja para elas, como se isso implicasse em outro tipo de produto. Eu sempre explico que não existe isso. Homens e mulheres podem gostar de todo tipo de produto. Bebemos dos mesmo vinhos e comemos as mesmas comidas. Então, por quê com cerveja seria diferente?

Bússola: Você acha que as mulheres estão conquistando cada vez mais espaço no setor?

Paula Yunes: No meio cervejeiro, infelizmente, em quase dez anos de carreira trabalhei com muito mais homens do que mulheres. Mas, as coisas estão mudando! Eu vejo que a cada ano que passa parece que mais mulheres estão se envolvendo e pouco a pouco ganhando mais espaço no meio cervejeiro. Em países onde o movimento cervejeiro artesanal é mais recente parece haver uma disparidade menor, como na Itália, por exemplo.

Quando abrimos vaga em produção recebemos somente currículos masculinos e apenas um feminino. Contratamos a mulher e hoje ela dá conta de tudo em produção com o pé nas costas. Ela é capaz de brassar e fazer outras atividades enquanto cantarola pela cervejaria.

Além disso, no ano passado, eu e as outras funcionárias da Atrium, desenvolvemos uma cerveja chamada “Brava”, para o Dia Internacional da Mulher. Era uma cerveja escura, forte e bem lupulada, pensada para quebrar o paradigma de que mulheres só bebem coisas leves e frutadas.

Bússola: Você ainda sente desigualdade no mercado? O que ainda precisa ser mudado para que haja mais inclusão?

Paula Yunes: Sim, infelizmente ainda tem muita desigualdade. Eu acredito que essa transição vá acontecer aos poucos. Conforme as mulheres se interessam e veem que já existem outras mulheres que trabalham com cerveja, elas se sentirão mais e mais acolhidas nesse meio. Por isso é tão importante para mim mostrar que nós existimos e que é muito legal trabalhar com cerveja.

Quando comecei como sommelier e trabalhava mais o aspecto comercial, não sentia tanto problema. Quando me mudei para a Bélgica e comecei a trabalhar com a produção, senti um impacto maior. Aqui as pessoas sempre partiam do pressuposto que se eu trabalhava com cerveja era por influência do meu marido belga. Porém, o que aconteceu foi praticamente o oposto.

Muitas vezes já entraram na cervejaria, me viram e perguntaram onde estava o chefe, sendo que eu sou a chefe também, mas isso era inconcebível pras pessoas. Em feiras cervejeiras, já escutei muita asneira também pelo fato de ser brasileira e ter estudado no Brasil, sendo que aqui é um país tradicional cervejeiro e o Brasil não, então muitas pessoas desvalorizam o meu conhecimento automaticamente.

Bússola: Que dica você daria para uma mulher que deseja trabalhar com cervejas?

Paula Yunes: Vá com tudo. Não ligue para comentários depreciativos. Pense que o problema está na cabeça de quem tem preconceito e não em você. Faça tudo que tiver vontade.

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