Saneamento e preservação andam lado a lado (Reprodução/Reprodução)
Bússola
Publicado em 18 de novembro de 2022 às 17h58.
Não se pode falar em preservação do meio ambiente sem se falar em saneamento básico. Como despoluir o rio Tietê sem tratar o esgoto de Guarulhos, ou a Baía de Guanabara, sem olhar para a Baixada Fluminense.
Mais do que isso, no Brasil é preciso cuidar dos mais de 3 mil lixões a céu aberto, especialmente aqueles na faixa litorânea.
Mas para o secretário Nacional de Saneamento, do Ministério do Desenvolvimento Regional, Pedro Maranhão, o Marco Legal do Saneamento coloca o Brasil na rota correta. "Nosso marco regulatório é o maior programa ambiental do mundo. Não existe nenhum outro programa ambiental para tratar esgoto para 100 milhões de pessoas. Tratando esgotos você está tratando o mar, está tratando os rios, as baías", diz.
Em entrevista exclusiva à Bússola, Maranhão falou também sobre os desafios para a implantação do marco regulatório e do potencial de geração de energia a partir do lixo.
Bússola: O Marco Legal do Saneamento garantiu liberdade de concorrência e, quase dois anos depois da aprovação, já atraiu mais de R$ 50 bilhões em investimentos contratados. A meta é assegurar, até 2033, que 99% da população tenha acesso a abastecimento de água e 90% possa contar com coleta e tratamento de esgoto. É claro que o Brasil vai precisar de muito investimento para alcançar as metas estabelecidas. Além dos recursos financeiros, onde estão os grandes desafios?
Pedro Maranhão: Nós vamos viver no Brasil entre o antes e o depois do Marco do Saneamento. Antes, a iniciativa privada não tinha interesse em investir em saneamento. Não havia meta, não tinha previsibilidade. E o Estado perdeu a capacidade de investimento.
Agora estamos atraindo parcerias que estão sendo um verdadeiro sucesso. Mostra para a sociedade que investir em saneamento é uma coisa boa e não só do ponto de vista financeiro. Resolve problemas ambientais. Isso salva vidas, resolve o problema das pessoas.
Mas temos muitos desafios. É uma lei nova, em implantação. Precisamos avançar na regionalização e na criação dos blocos, que ficou a cargo dos governos estaduais. Muitos deles ainda não deram seguimento. A partir de 2023, esperamos que haja um avanço, que sejam feitas concessões, ou PPPs, ou alocação de ativos, ou privatizações. Há várias formas de fazer. A lei prevê diversas modelagens. O que importa é trazer dinheiro novo. Esse é o grande desafio.
Bússola: Os avanços do Brasil no setor de saneamento, assim como os imensos problemas que o país enfrenta já foram pauta da COP27. O Brasil ainda tem hoje 33 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, por exemplo. O que ainda precisa ser feito para mudar essa realidade?
Pedro Maranhão: Precisamos de investimento. E, de criar condições para investimento. Nosso marco regulatório é o maior programa ambiental do mundo. Não existe nenhum outro programa ambiental para tratar esgoto para 100 milhões de pessoas. Tratando esgotos você está tratando o mar, está tratando os rios, as baías.
E o que polui é o esgoto in natura. São os 3 mil lixões a céu aberto no Brasil. Falta de saneamento causa poluição nos oceanos. Se a gente resolve o saneamento no mundo, 80% da poluição nos oceanos acabaria. Mais da metade da população do mundo tem um problema igual ou pior que o do Brasil, na Ásia, África, América Latina.
Precisamos tratar do saneamento como uma questão ambiental. Já na COP26 tentamos apresentar nosso projeto de saneamento como um programa ambiental, de despoluição. E demos um recorte tratando do problema das mulheres. Porque as doenças causadas pela falta de saneamento afetam diretamente as mulheres. Quando as crianças ficam doentes, com diarreia, com alergias, quem falta ao trabalho são elas, quem cuida são elas, quem leva nos hospitais são elas. Mas não foi entendido dessa forma e não conseguimos apresentar.
Se resolvermos o problema nos lixões na faixa litorânea brasileira e das cidades que jogam esgoto no mar, estamos contribuindo e muito. Nós temos tecnologia. Vamos fechar o lixão de Itacaré, no Morro de São Paulo, em Valença, em Porto Seguro.
É uma questão que precisa ser discutida. É isso que deveríamos estar defendendo em todos os organismos. O Marco Legal do Saneamento não é um programa que está no papel. É um programa que está funcionando. Não depende de medida provisória ou de orçamento da União.
Bússola: De fato, não se pode falar em preservação do meio ambiente sem se falar em saneamento básico. Mas a universalização dos serviços de água e esgoto é suficiente para a recuperação dos córregos e mananciais de regiões metropolitanas e das grandes cidades?
Pedro Maranhão: Voltamos à questão dos lixões que estão degradando o meio ambiente e aumentando a emissão dos gases de efeito estufa. Mas o que vai mesmo fazer a diferença é o tratamento de esgoto.
Mas vamos falar do rio Tietê. Se não tratar o esgoto em Guarulhos, não tem como resolver o problema do rio. Se não tratar o esgoto da Baixada Fluminense, não vai resolver o problema da Baía de Guanabara. Não tem segredo.
Bússola: Em contrapartida, existe um enorme potencial de geração de energia associado ao mercado de tratamento de resíduos. A indústria, o poder público e as concessionárias estão preparados para tirar proveito de todo esse potencial?
Pedro Maranhão: Nós estamos fazendo isso. Não existe nenhum projeto nosso em que não haja aproveitamento pleno do resíduo sólido. Mas não é uma coisa simples. Mas hoje gerar energia do resíduo sólido por meio de incineração ainda é muito caro. Mas há outras formas de aproveitamento. Temos a reciclagem do plástico, do papel, do alumínio, do vidro.
Na energia, temos a questão do biogás, que é uma energia mais barata a partir do aterro. Tem também a compostagem dos orgânicos. Podemos até mesmo usar para gerar óleo combustível. Estamos avançando.
Por ora, temos que diminuir o volume de resíduos que vão para os aterros. Cada vez mais fazer o aproveitamento. Isso envolve os catadores, a triagem, a coleta seletiva, fazendo com a que a indústria comece a se interessar.
Bússola: O saneamento básico é um das áreas mais ligadas ao setor público, seja por sua atuação por meio de estatais, seja como concessionário do serviço público. Se formos pensar nas populações mais vulneráveis, existe espaço para atuação de grandes empresas do setor privado em municípios pequenos e em áreas rurais, onde o déficit de tratamento de esgoto e água potável é maior?
Pedro Maranhão: Isso é um mito. Acontece o contrário. O Amapá é uma das regiões mais pobres do Brasil. Os leilões foram feitos e foi um sucesso. Mesma coisa no sertão de Alagoas. Os leilões no Rio de Janeiro pegaram do grande ao pequeno.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube
VEJA TAMBÉM: