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Controle do orçamento deixa políticos distantes do eleitor

As paredes da política brasileira são de palha, sob uma montanha ameaçadora

Alguns sinais são preocupantes, mesmo para quem olha tudo de forma panglossiana hoje e no futuro (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)

Alguns sinais são preocupantes, mesmo para quem olha tudo de forma panglossiana hoje e no futuro (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)

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Publicado em 14 de janeiro de 2022 às 14h18.

Por Márcio de Freitas*

O deslizamento que destruiu um casarão do século 19 em Ouro Preto (MG) é retrato ilustrativo do quanto a política deixou de oferecer soluções ao povo brasileiro. Interditado há 12 anos, a construção foi levada pelo desmoronamento do Morro da Forca, nomenclatura ainda mais simbólica para o triste evento. Geólogos já haviam identificado o risco e o sobrado estava sem habitantes.

Durante mais de uma década o poder público não encontrou uma forma de tentar preservar o casarão, a história que ele representou para a cidade, ou para as pessoas que ali viveram ou o frequentaram por mais de cem anos. Nenhuma tecnologia, nenhuma obra de engenharia ou ação humana impediu a força das chuvas de se entranhar no solo e derreter parte da montanha. As paredes da construção cederam como se fossem de palha, como na fábula do lobo e dos três porquinhos.

Acontece que há muitos lobos e milhões de porquinhos na história da carochinha que é a realidade brasileira, cheia de finais incertos, alguns tristes nestes tempos de tragédias provocadas pela natureza em Minas, na Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará. Na nossa literatura, há lobos devorando silenciosamente o orçamento público. Em cavernas secretas, regurgitam de barriga cheia. São uns poucos, mas ferozes.

Os porquinhos somos muitos. E cuidamos de alimentar os lobos, faça chuva ou sol; seca ou inundação. “Em política, nada mais podemos fazer do que concluir qual dos males é o menor”, delimitou o escritor George Orwell. Ele é a mente que nos assombra ainda hoje com a sigla Big Brother (do romance "1984"), desvirtuada nos repetidos programa da pseudo observação da vida alheia, onde pessoas são colocadas no aquário eletrônico de nossas salas. Voyeurismo consentido para adeptos de pornografia recoberta por edredons.

Orwell escreveu também a Revolução dos Bichos (ou Fazenda dos Animais, como preferem outros tradutores). É um livro sobre o totalitarismo. Nele, os animais tomam o poder na fazenda numa revolução. Os porcos chegam ao poder e se tornam “lobos”. Metáfora provocadora à URSS de então.

A alegoria orwelliana é cheia de nuances gritantes para a política, antiga ou atual. Sua obra está entranhada em nosso imaginário, até àqueles que jamais o leram. Quem não gosta de ficção deveria ler os números do orçamento público e a tradução dos privilégios nacionais, com a escolha dos lobos prevalecendo sempre sobre os porcos. Nada tem de literatura, é aridez total. Enquanto alguns cuidam de seus interesses, regando suas hortas eleitorais com fundos bilionários, a maioria anda em estradas esburacadas que se desmancham nas enxurradas.

O asfalto se liquefaz, enquanto projetos emergenciais preparam obras precárias para substituir as antigas rodovias mal feitas, num ciclo de concorrências regidas pela lei do menor preço, onde a baixa qualidade é sempre a resultante final. E forma-se a indústria precária do improviso, onde se ganha muito sempre refazendo a obra perenemente desgastada assim que inaugurada. Rediscutir esse processo vicioso em campanhas é importante… mas quem o faz?

O povo se distancia da política porque os políticos estão inacessíveis. E a cada naco de poder que ganham sobre o destino do dinheiro público mais longe eles habitam. Assim se deu com o financiamento público de campanha, vendido ingenuamente como a solução para o combate à corrupção.

Hoje, são os financiamentos eleitorais de campanha que concorrem com o dinheiro para solucionar as tragédias da defesa civil, com recursos para educação e saúde, para infra-estrutura básica. E os políticos mesmos batem o martelo sobre quanto dinheiro poderão gastar nas suas próprias campanhas. Antes, tinham de pedir contribuições a empresas, sindicatos, pessoas físicas e, nesse processo, eram obrigados a se atrelar a interesses visíveis. Alguns eram até subterrâneos, verdade. Mas esses permaneceram, agora negociados de forma secreta e sem qualquer indício de materialidade, pois não há mais como fazer a conexão financeira.

Nas próximas eleições, políticos usarão o dinheiro público para convencer o distinto público a votar neles. Fortaleceu-se a indústria cartorial de partidos políticos, onde comandos se perpetuam eternamente no controle das legendas. O retroalimentar dessa indústria é como a água que cai sobre as montanhas e vai se infiltrando no solo da democracia. A erosão é evidente.

Tal como o casarão de Ouro Preto, corremos o risco de interdição, pois já houve uma encosta a ruir nos protestos de 2013. Alguns sinais são preocupantes, mesmo para quem olha tudo de forma panglossiana hoje e no futuro. As paredes da política brasileira são de palha, sob uma montanha ameaçadora.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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