É preciso pensar em novas formas de captação de dinheiro mais amplas (EXAME/Exame)
Bússola
Publicado em 9 de outubro de 2021 às 14h16.
Última atualização em 9 de outubro de 2021 às 15h17.
Por Leonardo Ugatti Peres*
Este ano de 2021 vinha sendo marcado por uma continuidade no ritmo intenso de ofertas públicas iniciais (IPOs) no Brasil, seguindo a tendência do segundo semestre de 2020. Porém, com a alta de juros, e as atuais perspectivas econômicas, é possível que se observe uma estagnação no número de ofertas de ações.
Isso traz a necessidade de se repensar estruturas de oferta, e de como manter o mercado de capitais interessante aos investidores. Seja por uma possível saturação do tradicional modelo de IPOs adotado no Brasil, seja a volta da atratividade dos títulos de renda fixa, novas soluções são necessárias e bem-vindas.
Ora, sendo a legislação brasileira de mercado de capitais reconhecidamente inspirada nos mercados americano e europeu, a questão a se responder é: seria uma boa hora para estudarmos outras estruturas de captação de recursos?
Nos últimos meses verifica-se uma proliferação de grupos de estudos acerca da possibilidade de serem implementados SPACs no Brasil, ou “Special Purpose Acquisition Companies” (“SPACs”). SPACs são veículos criados com propósito de captar recursos para adquirir uma empresa privada ou empresas privadas ainda não definidas (targets). Essa modalidade de investimento, também conhecida como “empresa de cheque em branco”, tem como figura central os sponsors da oferta, que podem ser um fundo de investimento, empresa ou pessoa de referência (geralmente um empresário ou investidor de grande notoriedade).
Estes veículos de investimento não possuem operações, clientes, produtos, serviços ou vendas. São criados apenas com o objetivo de realizarem um IPO (initial public offering) e, no momento seguinte, destinarem os recursos captados à aquisição de participação em outra companhia, que pode ser uma startup promissora, uma empresa incumbente, ou uma empresa em crescimento.
Devido às inseguranças quanto ao valuation dos SPACs, os IPOs destes veículos geralmente são feitos com base em um valor fixo por ação (por exemplo, USD10/ação), não sendo realizado o tradicional processo de bookbuilding.
Segundo o site, em 2020 foram realizadas 248 ofertas de SPACs nos Estados Unidos, com uma média de captação de USD 336.1MM por oferta. Em 2021, os números foram ainda mais impressionantes: 445 IPOs de SPACs, com uma captação média de USD 286.7MM por oferta pública. Para se ter uma ideia da magnitude desses números, o ano de 2021 sozinho responde por mais de 40% do total de ofertas de SPACs já realizadas, concentrando quase metade de toda a quantia captada via SPAC até esta data (USD127.6 bilhões de um total de USD280.1 bilhões).
Apesar de terem sido realizadas algumas ofertas de SPACs nos Estados Unidos tendo como sponsors famosos empresários brasileiros, até o momento esta modalidade de oferta ainda não chegou ao Brasil.
Ainda que a legislação brasileira não preveja expressamente modelos como as companhias de “cheque em branco”, previstas na Rule 419 do Securities Act americano, entendemos que há espaço para a adoção de modelos semelhantes a SPACs território nacional.
Isso porque a Lei nº 6.385/76 (lei de criação da CVM e regulação do mercado de valores mobiliários brasileiro) foi, em boa medida, inspirada no Securities Act americano, e a CVM vem, historicamente, adotando entendimentos e novos normativos inspirados em novidades introduzidas pela SEC (Securities and Exchange Commission). Assim, não seriam impensáveis modificações normativas que visem acomodar a hipótese de SPACs no Brasil.
Por exemplo, a Instrução CVM nº 400/03 já permite a realização de ofertas públicas de empresas pré-operacionais. Ainda que a natureza do SPAC não seja, per se, ter futuras atividades, há argumentos para interpretar que SPACs também seriam empresas pré-operacionais. Ademais, o próprio conceito de captar recursos para, posteriormente, alocar em empresas ainda não conhecidas não é estranho ao mercado brasileiro: muitos fundos de private equity são organizados nesta premissa, mas sempre informando, minimamente, um setor ou segmento em que o fundo pretende investir.
Tudo leva a crer, então, que uma combinação de princípios e normativos já existentes, com pequenos ajustes e/ou concessões, poderia criar um caminho viável para ofertas de SPACs no Brasil.
Como SPACs não são exatamente empresas pré-operacionais, haveria, ainda, argumentos para possível pedido de dispensa de registro ou de requisitos (dado, por exemplo, que o SPAC representa um instrumento de investimento indireto em companhia em operação, que, por sua vez, já terá resultados, ou uma excelente perspectiva de crescimento). Estas situações, no entanto, deverão ser estudadas caso a caso, inclusive a partir da estratégia do sponsor vis a vis a target company.
Com os desafios impostos pelos tempos atuais, o mercado brasileiro de renda variável pode precisar de criatividade. Seja pela rápida elevação da taxa básica de juros, seja pelas incertezas que o ano eleitoral vindouro traz, nos parece ser o momento ideal para criação de novas formas de captação de recursos, sempre aliadas à proteção do investidor.
Como comprova o sucesso no exterior, os SPACs, ainda que não existentes na nossa legislação ou normas, poderiam ser uma alternativa interessante aos desafios atuais. Esforços nesse sentido já estão sendo feitos, mas o sucesso desses esforços também depende de uma atuação ainda mais enérgica de entidades de mercado e dos órgãos reguladores. Fica aqui, então, o convite para que o tema seja debatido de forma ainda mais ampla, e que novas formas de captação sejam pensadas e estudadas. Considerando o tamanho do Brasil e a qualidade da legislação e normas pátrias, não há dúvidas de que exercícios como este podem nos colocar à frente de muitas outras economias.
*Leonardo Ugatti Peres é sócio de A&P Advogados
Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedIn | Twitter | Facebook | Youtube