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Como caso do DJ Ivis ensina sua empresa a lutar contra violência doméstica

Número de violência contra mulheres não diminuiu e aponta dificuldades impostas pela pandemia para realização de denúncias

DJ Ivis que tinha promissora carreira musical e está sendo acusado de violência doméstica pela ex-esposa (Casarsa/Getty Images)

DJ Ivis que tinha promissora carreira musical e está sendo acusado de violência doméstica pela ex-esposa (Casarsa/Getty Images)

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Publicado em 18 de julho de 2021 às 08h00.

Por Gabriella Safe*

Após um ano e quatro meses de pandemia, os dados de violência doméstica assustam mais que nunca. Órgãos estatais como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e organizações da sociedade civil como “As Justiceiras” relataram aumento considerável nos dados de violência doméstica contra mulher em comparação ao ano de 2019.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que houve 9,6% de queda de registros de violência doméstica contra mulher em delegacias no primeiro semestre de 2020. Porém, no mesmo período aumentou em 3,8% o acionamento da Polícia Militar para casos de violência doméstica por chamados para o 190. O número de feminicídios também cresceu em 2%.

De acordo com o anuário, a redução de registros não equivale à diminuição de casos de violência, mas às dificuldades impostas às mulheres pela pandemia para a realização de denúncias. Agora as mulheres em situação de violência doméstica estão passando muito mais tempo em convívio com seus agressores e isso dificulta que busquem ajuda de forma segura.

Apesar da violência doméstica ser endêmica e atingir mulheres de todas as classes sociais, cores e etnias, idades e regiões, as mulheres negras representam 52,9% das vítimas de acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha divulgada em junho deste ano.

O aumento em casos de violência contra mulheres durante a pandemia pode estar associado aos seguintes fatores de risco: diminuição da renda familiar, aumento dos níveis de estresse, aumento do consumo de álcool, isolamento social, confinamento físico de agressor e vítima, restrição de acesso aos serviços de proteção e à redes de apoio.

As mulheres foram as mais prejudicadas com a crise econômica no mercado de trabalho e as empresas, por meio de ações afirmativas de contratação, equiparação salarial e promoções direcionadas para o grupo, bem como do estabelecimento de políticas de acolhimento durante o trabalho remoto e presencial, têm o poder de gerar mudanças nesse cenário.

A fragilidade econômica deixa as mulheres mais vulneráveis e suscetíveis a violência doméstica, em contrapartida, a estabilidade financeira gera autonomia, acesso aos direitos básicos e proporciona a manutenção da saúde psicoemocional das mesmas. As empresas também podem criar ações preventivas e educativas sobre o tema para os funcionários homens.

Com todo esse contexto, ainda nos assustamos quando vemos imagens explícitas de violência doméstica como as agressões vividas por Pamela Holanda pelo ex-marido Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis. As imagens são marcantes e causaram indignação ainda maior porque a filha de 9 meses do casal estava presente no momento dos ataques. O DJ Ivis ainda veio a público em vídeo nas redes sociais tentando justificar seus atos de violência e culpabilizando a parceira por suas atitudes. Até aí nada novo sob o sol. Esse comportamento é frequente nos agressores em casos de violência contra mulheres.

O que me surpreendeu foi a resposta mercadológica diante do ocorrido. Em menos de uma semana após a liberação das imagens e a repercussão nacional do caso, o agressor DJ Ivis já sofre sérias consequências em sua carreira. O empresário e também músico Xand Avião anunciou por vídeo o desligamento imediato de Ivis da produtora Vybbe e ofereceu apoio a Pamela e sua filha. A gravadora Sony Music Brasil, que havia fechado contrato com Ivis em abril, informou agora que está revisando a relação com o DJ e que retirou de circulação algumas publicações que promoviam suas músicas em parceria com outros artistas.

A Som Livre suspendeu todos os lançamentos das faixas que incluem participação dele e está fazendo uma força tarefa para bloquear as músicas já lançadas do DJ em plataformas de áudio e vídeo. Rádios do estado do Ceará que repudiam as agressões chegaram a comunicar que vão retirar as músicas de Ivis de seus programas. Zé Vaqueiro, Barões da Pisadinha, Tarcísio do Acordeon, Zé Felipe, Latino e outros artistas que já colaboraram musicalmente com Ivis demonstraram total reprovação às violências contra a mulher praticadas pelo DJ.

Além de vários outros pronunciamentos de pessoas públicas em relação ao ocorrido, também observamos que a crescente quantidade de seguidores que ele conquistou após a liberação das imagens está em retrocesso. A promissora carreira de DJ Ivis foi prejudicada por suas próprias ações. Não é possível saber o que acontecerá com sua vida profissional e pessoal daqui pra frente.

Eu não me recordo de outro caso em que um homem famoso agredindo uma mulher tenha vindo a público e gerado essas consequências. O comum era a relativização e naturalização da violência, a vítima completamente prejudicada em sua vida e o agressor sofrendo poucas consequências e sem nenhum impedimento de seguir sua trajetória profissional e pessoal como bem entendesse. Tudo isso me gerou inúmeras perguntas para as quais não tenho respostas.

A reação mercadológica ao caso DJ Ivis vai coibir outros homens famosos e anônimos a cometerem violência doméstica contra mulheres? O mercado e a sociedade terão atitudes similares contra outros comprovados agressores ou esse será um caso isolado? As empresas terão políticas de proteção adequadas ao período de trabalho remoto? Quais políticas e ações afirmativas de desenvolvimento econômico para mulheres estão sendo elaboradas no país? É preciso questionar o nosso papel e poder na luta pela erradicação da violência contra mulher e do feminicídio no Brasil!

Não se cale, denuncie!

Se você é vítima ou testemunha de violência contra mulher pode efetuar uma denúncia ligando para a Polícia Militar no número 190 ou para o Disque 100 que verifica violações aos direitos humanos. Há ainda a Central de Atendimento à Mulher que recebe denúncias, oferece orientações de especialistas e encaminha as vítimas para serviços de proteção e pode ser acionado pelo número 180. Essa Central funciona em todo o país durante 24h por dia e a ligação é gratuita. Para buscar mais informações sobre o tema acesse aqui.

*Gabriella Safe é socióloga e fundadora da Afroricas, plataforma educacional de geração e distribuição de renda para profissionais negras

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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