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Publicado em 12 de dezembro de 2024 às 15h00.
Por Cássio Amaral*
O Open Insurance, ou Sistema de Seguros Aberto, à semelhança do seu irmão mais velho, o Open Banking, consiste no ecossistema digital cujo objetivo é viabilizar acesso e compartilhamento fluidos de dados estruturados de consumidores entre as sociedades participantes (seguradoras e intermediários), mediante abertura e integração de sistemas no âmbito dos mercados de seguros, previdência complementar e capitalização.
Os pesquisadores Willem Standaert e Steve Muylle, em seu artigo seminal sobre Open Insurance (Framework for open insurance strategy: insights from a European study. The Geneva papers on risk and insurance. Issues and practice, v. 47, n. 3, p. 643, 2022), destacam a facilidade na transferência de dados entre participantes do ecossistema e consumidores e destes com terceiros licenciados (TPP) como atributo central do modelo open. Tal característica é capaz de gerar novas formas de processamento de dados e favorecer o desenvolvimento de produtos inovadores, bem como a expansão de canais, o que tende a resultar em aumento de eficiência dos processos internos na cadeia de comercialização de seguros e em expansão do mercado para além dos produtos atualmente existentes e também para outros ecossistemas.
O inédito modelo Open Insurance (o Brasil é o primeiro país do mundo a regulamentar e operacionalizar tal modelo), no entanto, desponta em uma indústria reconhecidamente com baixa maturidade digital, explicada pelo elevado isomorfismo institucional, o que pode gerar obstáculos à implementação e evolução do novo ecossistema.
O isomorfismo, conceito básico da teoria institucional das organizações proposta por Paul J. Dimaggio e Walter W. Powell (A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. RAE-Revista de Administração de Empresas, 45(2), 74-89, 2005), refere-se à tendência das unidades de uma mesma categoria organizacional (setor ou indústria, por exemplo) a assemelharem-se entre si em virtude da exposição ao mesmo conjunto de condições ambientais. Segundo Dimaggio e Powell, “campos organizacionais altamente estruturados fornecem um contexto em que esforços individuais para lidar racionalmente com as incertezas e com restrições geralmente levam, de maneira conjunta, à homogeneidade em termos de estrutura, cultura e resultados” das unidades produtivas, incluindo novos entrantes, sem que necessariamente ocorra aumento de eficiência ou performance.
O isomorfismo é bem pronunciado na indústria de seguros porque, dentre outros motivos, ela é altamente regulada e sujeita a influências normativas de diversos matizes, o que usualmente (de)limita o poder de criação e mudança, tendo evoluído não por força de inovações tecnológicas ou operacionais disruptivas, mas por mimetismo e veneração a grandes organizações de referência.
Como esperar, então, que as seguradoras e demais stakeholders dessa indústria libertem-se da tendência ao isomorfismo e à reprodução de velhas práticas e evoluam em direção à transformação digital, com consequente melhoria da experiência do cliente, aumento da capilaridade e penetração dos seguros, bem como diversificação eficiente de produtos e serviços conectados a outros mercados?
É provável que o ecossistema do Open Insurance desponte como catalisador da revolução no modelo de negócio e na proposta de valor das seguradoras, que, por sua vez, resultará em melhorias operacionais e experiência diferenciada na jornada do cliente, em decorrência do aumento da agilidade e dimensão do processamento de dados, bem como do uso de ferramentas tecnológicas como IoT, inteligência artificial, machine learning e contratos inteligentes.
Para isso, contudo, as seguradoras devem repensar sua atuação nesse novo ecossistema digital, no qual a capacidade de coleta, organização e tratamento dos dados – insumo básico do negócio de seguros – será franqueada ao consumidor, diretamente ou por meio de novos stakeholders, como processadoras de ordem do cliente (SPOC), corretores parceiros das SPOC e bancos digitais.
À semelhança do que ocorreu em indústrias que avançaram mais rapidamente nesse processo, é provável que a transformação digital no setor de seguros aumente o bem-estar dos consumidores, em virtude da abertura do ecossistema e da flexibilização dos produtos, bem como do incremento de pontos de contato seguradora-segurado, por meio da criação de plataformas e de novas tecnologias de comparação e contratação de produtos e serviços. Esses avanços facilitarão a escolha e mudança eficientes de provedores, em um ambiente de customização de ferramentas, serviços e utilidades.
O isomorfismo (“seguradora é tudo igual”), no seio desse novo ecossistema aberto a potencialidades digitais e interconexões com diversos mercados, deverá ceder espaço a organizações ambidestras, ou seja, que buscam, a um só tempo, atingir altos padrões técnico-operacionais e estimular continuamente a cultura da inovação e diferenciação.
Nesse contexto, espera-se que as seguradoras desenvolvam modelos de negócio digitais dedicados, por meio de criação de novas entidades ou de unidades organizacionais financeira e tecnicamente independentes, que possam, sem o peso do legado e da tradição mimética da indústria, impulsionar de forma criativa a esperada revolução do mercado de seguros, tirar vantagem das utilidades do ecossistema Open Insurance e concentrar-se na experiência do cliente.
O consumidor, senhor dos seus dados, só tem a ganhar com o Open Insurance e saberá certamente premiar os players que entregarem produtos personalizados, ágeis, confiáveis e, acima de tudo, que mudem a experiência historicamente desconfiada do cliente em relação ao seguro
*Cássio Amaral é pós-graduando do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP, advogado, qualificado no Brasil, Portugal, Inglaterra e País de Gales, mestre em administração e direito e fundador da Guru SPOC.
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