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Carine Roos: Quem vai investir na economia púrpura?

Lógica capitalista ainda está calcada na divisão sexual do trabalho que atribui aos homens a atividade produtiva e às mulheres a atividade reprodutiva

Entrada das mulheres no mercado de trabalho apenas as sobrecarregou (Getty Images/Reprodução)

Entrada das mulheres no mercado de trabalho apenas as sobrecarregou (Getty Images/Reprodução)

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Publicado em 7 de junho de 2023 às 10h00.

Última atualização em 7 de junho de 2023 às 10h55.

Por Carine Roos*

Falamos muito no mundo corporativo sobre soluções simples para problemas complexos. Um deles é como a economia tem tratado a questão de gênero e para facilitar o entendimento, nomeando as várias vertentes com cores.

Desta vez, é a economia púrpura (Purple Economic). O termo é antigo. Foi criado pela economista Ipek Ikkaracan que propôs uma visão alternativa para tratar o cuidado como um bem público e um direito humano básico Essas atividades recaem hoje sobre as mulheres, e não são incorporadas nem por quem emprega, nem pelo Estado e, tampouco, pelos homens no ambiente doméstico.

Isto porque a lógica capitalista construída por longos tempos de patriarcado, ainda está calcada na divisão sexual do trabalho que atribui aos homens a atividade produtiva, relativa à produção de mercadorias e bens de consumo - visível, pública, reconhecida, remunerada. Às mulheres a atividade reprodutiva, relativa ao cuidado com as pessoas – invisível, privada, não reconhecida, não remunerada. Esta hierarquia corrobora para a manutenção da opressão do gênero feminino.

A entrada das mulheres no mercado de trabalho não mudou esse quadro. Ao contrário. Serviu para sobrecarregar ainda mais trazendo graves consequências a sua saúde física e mental. Isso sem contar na dificuldade de investir em sua própria carreira. E quem está no topo, o gap da divisão dos afazeres domésticos é ainda maior.

Segundo o relatório Women in the Workplace 2022, da consultoria McKinsey, as mulheres em todos os níveis hierárquicos são responsáveis pela maior parte ou por todas as tarefas da casa e do cuidado de sua família. O desequilíbrio é especialmente acentuado entre homens e mulheres em cargos de liderança. Entre colaboradores em início de carreira, 58% das mulheres acumulam as funções contra 30%  dos homens. Entre os cargos de liderança, a diferença quase dobra. Os índices são de 52% para as mulheres e 13% para os homens.

Para garantir os cuidados com casa, filhos, pais, as mulheres que têm recursos financeiros, terceiriza e remunera outras pessoas que são na sua maioria mulheres, com um agravante de raça e etnia. E o ciclo vicioso persiste, pois, essas funções são caracterizadas por baixos salários, cargas horárias excessivas e não raro, condições de trabalho precárias.

Uma das saídas encontradas por empresas como Mercado Livre, Fleury e Meta é oferecer a possibilidade de congelamento de óvulos. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o total de mulheres com 30 anos ou mais que se tornam mães no Brasil passou de 24% em 2000 para 38% em 2020 (4% são mães com 40 ou mais). Visto como um benefício, pode ser considerado um “purplewashing”, pois garante às empresas aproveitarem da mão de obra feminina em seu “auge” e forçando as mulheres a postergar uma vontade ou lutar contra seu relógio biológico.

O investimento na economia do cuidado é um investimento sustentável a longo prazo para as gerações presentes e futuras, só que carece de uma visão de equidade de gênero. É necessário evoluir para um modelo no qual mulheres e homens partilhem as responsabilidades cuidadoras e as empresas avancem em licenças parentais, horários flexíveis de trabalho e benefícios que suprem as necessidades das mulheres e homens em diferentes fases do ciclo de vida.

*Carine Roos é especialista em diversidade, equidade e inclusão e fundadora da Newa

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