O Meninas Cidadãs prova que investir em meninas negras e indígenas é construir um futuro democrático de verdade (Carlos Duarte/Getty Images)
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Publicado em 26 de novembro de 2025 às 15h00.
Por Rachel de Andrade Silva, Karoline Marques e Nayane Lima*
Num país onde raça e gênero ainda definem quem tem acesso a direitos e quem permanece invisível, formar meninas para atuarem politicamente é mais do que uma ação educativa, é uma estratégia de transformação estrutural.
O Brasil ainda falha em garantir que meninas negras e indígenas cresçam acreditando que podem ocupar espaços de decisão.
A Elas no Poder é uma organização que pensa e articula ações em prol do fortalecimento e ampliação de direitos de mulheres e meninas.
Pensando no segundo grupo, implantamos ações voltadas para adolescentes brasileiras no intuito de fortalecer a ação política em grupo, estimulando lideranças em seus territórios, atuando no avanço de suas comunidades e fortalecendo um senso de pertença e possibilidade de mudança através de suas próprias articulações.
Por isso, iniciativas que estimulam participação política desde a adolescência são estratégicas para romper ciclos de desigualdade.
Assim nasce o Meninas Cidadãs, uma parceria com o UNICEF, onde jovens de sete municípios atuam pensando necessidades comunitárias, consequências de eixos de subordinação implantados para causar diferenciação, vulgo, gênero e raça.
Do público atingido pelo projeto, aproximadamente 90% é formado por meninas negras e indígenas, alcançando os municípios: Manaus, Belém, Recife, Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.
Importante o foco em meninas negras e indígenas, tendo em vista como gênero apenas não dá conta de explicar a perversa desigualdade que formata a dinâmica de vida brasileira.
Participantes brancas respondem por 14% cuja renda familiar é menos que um salário, enquanto que participantes negras e indígenas constam na ordem de 29%.
Com relação a acesso a absorventes, 93% das participantes brancas informaram adquirir com dinheiro próprio ou do responsável, 7% adquire via programas de dignidade menstrual, nenhuma informou que não tem acesso.
Já as participantes Negras e Indígenas, 4 % informaram não ter acesso e 87% informaram aquisição com recurso próprio ou responsável.
Enquanto meninas negras e indígenas informaram quantidade superior a cinco pessoas na residência,na ordem de 16%, meninas brancas não informaram tal quantitativo.
No mesmo sentido, dados móveis foram apontado como meio de acompanhamento de encontros virtuais pelas participantes negras e indígenas, mas não por participante, que somente indicaram Wi-Fi ou internet cabeada.
A atuação do Meninas Cidadãs nos sete municípios participantes demonstra que política nasce no cotidiano: nas escolas públicas, nas periferias e nas comunidades que historicamente enfrentam negligência.
Ao promover rodas de conversa, diagnósticos locais e ações colaborativas, o programa fortalece a compreensão de que cada menina é agente de mudança.
Os dados coletados pelo projeto mostram que meninas negras e indígenas vivem realidades drasticamente diferentes das meninas brancas, mesmo dentro do mesmo país e da mesma faixa etária.
Questões como renda, acesso à dignidade menstrual, número de moradores em casa e qualidade da conexão à internet revelam desigualdades que começam cedo e se aprofundam com o tempo.
Esses números reforçam a urgência de políticas pensadas a partir de uma lente interseccional.
A ausência de mulheres negras em espaços de decisão — como a reiterada inexistência de uma mulher negra na Suprema Corte — é parte de um padrão que se repete desde a infância.
O Meninas Cidadãs confronta essa lógica ao estimular que meninas nomeiem desigualdades, compreendam estruturas e ocupem espaços que historicamente lhes foram negados.
De modo que gênero como única lente de análise para compreensão das dinâmicas de diferenciações que atuam no acesso à direitos básicos e vida digna é limitador, raça determina contornos específicos à vivência de meninas racializadas.
Esse processo de diferença coloca raca e gênero como eixos centrais no processo de subordinação do ser, onde pessoas brancas são postas como ápice da humanidade e natural ocupantes de espaços de decisão, cuja atuação incide em toda a população.
Precisamos sempre falar dos padrões de quem ocupa espaços do poder, incidindo em sua branca fotografia, apontando ausências e lutando por inclusões, para que meninas brasileiras se percebem não apenas enquanto objeto de análise, mas sujeito dinâmico de uma história que pode ser sim alterado.
O Meninas Cidadãs prova que investir em meninas negras e indígenas é construir futuro democrático de verdade.
Quando elas têm acesso à formação, apoio e espaço, deixam de ser tratadas como exceção e se tornam protagonistas das soluções que o país precisa. É assim que abrimos caminho para um Brasil mais justo, mais diverso e verdadeiramente representativo.
*Rachel de Andrade Silva é Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça e Gerente de Projetos na Elas no Poder.
Karoline Marques é Escritora, Ativista, Graduanda em Direito e Liderança no Financeiro na Elas no Poder.
Nayane Lima é Liderança no Financeiro na Elas no Poder.