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Bússola Vozes: o voto de confiança desapontado 

Em 2022 houve o voto de confiança e de esperança: em 2024, não queremos apenas o discurso

"No atual cenário, 2024 se aproxima, teremos um novo pleito eleitoral e a promessa da oportunidade de progresso", afirma a colunista Elisa Dinelli, da ONG Elas no Poder (imagestock/Getty Images)

"No atual cenário, 2024 se aproxima, teremos um novo pleito eleitoral e a promessa da oportunidade de progresso", afirma a colunista Elisa Dinelli, da ONG Elas no Poder (imagestock/Getty Images)

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Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 07h00.

Por Elisa Dinelli*

O balanço de 2023 no que tange a representatividade feminina nas estruturas de governo e estado, a violência política de gênero assombrosa e o pouco avanço nas demandas da população feminina brasileira trouxeram desapontamento com o governo federal atual.

Nas semanas anteriores ao pleito de 2022, o desequilíbrio era claro: a maioria das mulheres (58%) tinham a intenção de votar no governo atual, enquanto o governo anterior receberia o voto da maioria dos homens (53%). As explicações para o fenômeno são multifatoriais e desenhá-las representam um desafio tão grandioso como a desigualdade na população brasileira, desta forma, este texto não se propõe a encontrar tal justificativa. O que importa aqui é que o retrato de gênero dava o recado claro, e o governo sabia disso.

Na posse em 1º de janeiro, foi apresentada a nova composição de ministérios, o contraste com o governo anterior era visualmente perceptível: das 31 pastas, 11 seriam lideradas por mulheres. Na inauguração do governo de Jair Bolsonaro, duas mulheres foram empossadas em um governo com 18 ministérios. Chegamos a dezembro e agora temos uma composição ainda mais desequilibrada (embora mais equânime do que a do governo anterior). Das 11 ministras, duas foram substituídas por homens: Daniela Carneiro em julho e Ana Moser em setembro. Vale ainda mencionar Maria Rita Serrano, indicada presidente da Caixa no começo do ano e demitida em outubro, sendo substituída por mais um homem, resultado de um acordo entre o governo e o Centrão.

A composição ministerial não demonstra, necessariamente, que há avanços nas pautas femininas no contexto nacional e nem é o único fator que demonstra o empenho de um governo com a equidade de gênero. Entretanto, a ocupação de espaços é, sim, um sinal objetivo do compromisso. Adicionado a isso, pesquisas robustas comprovam cada vez mais que composições mais diversas - em gênero e raça - se traduzem em mais eficiência e menos corrupção nas estruturas estatais. E, neste aspecto, a atuação do governo foi insuficiente e, por vezes, decepcionante.

A decepção mais recente e simbólica, sem dúvidas, foi representada pelas indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal. Esta última se deu no contexto de substituição da ministra Rosa Weber e deixou o STF com apenas uma mulher em sua composição, a ministra Cármen Lúcia. 

Ainda que a indicação de Dino tenha acontecido ao mesmo tempo que a do chefe da Procuradoria-Geral da República, que continua liderada por um homem, Paulo Gonet, não há discussão quanto ao que é mais significativo para um projeto de país: a aposentadoria compulsória de ministros do STF acontece apenas a partir dos 75 anos de idade.  Embora a articulação da sociedade civil tenha sido vocal neste aspecto, propondo a indicação de uma mulher negra para a cadeira, o presidente da República não ouviu a demanda e minimizou dizendo que “O critério não será mais esse [...] Não precisa perguntar questão de gênero ou de cor. No momento certo vão saber quem eu vou conhecer.”

A questão de gênero e raça, por vezes, é minimizada na consideração de uma construção de um projeto para o país, ou é colocada como tópico de menor relevância em relação a, digamos, questões econômicas e de classe, que aparecem mais nos discursos e ações do Presidente da República. Contudo, os dois pontos são indivisíveis. 

Mas houve avanços, ainda que pouco estruturais. A Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres, sancionada em julho, demonstra que o Congresso e o Executivo sabem das distorções no mercado de trabalho e veem a necessidade de minimizá-las. Ainda assim, o mesmo Congresso tramitou durante o ano a PEC 09/2023, que visa anistiar os partidos que não cumpriram suas obrigações eleitorais de repasses de recursos proporcionais a candidaturas de mulheres e pessoas negras. Organizações da sociedade civil pressionam para que a proposta seja descartada, e ela não deve caminhar mais nas casas legislativas em 2023.

O ano também foi marcado por casos graves de violência política de gênero, que perpassam desde câmaras de vereanças em pequenas cidades até a primeira-dama Janja da Silva, que teve sua conta hackeada em dezembro e foram postados insultos que feriam sua dignidade e sua própria condição de mulher. Tais acontecimentos não são coincidências ou fatos isolados, mas sinais estarrecedores de que a sociedade brasileira não consegue reconhecer o feminino como legítimo de ocupar espaços de poder, seja como uma primeira-dama engajada, como uma ministra de Estado ou da corte suprema ou até como uma candidata de um cargo eletivo. 

O governo em curso, por sua vez, não demonstrou com contundência estar ao lado desta luta e desta mudança estrutural. E como vemos acontecer no Brasil, quando não há mudança estrutural, os efeitos do progresso podem - e geralmente, são - cortados ciclicamente. 

E no atual cenário, 2024 se aproxima, teremos um novo pleito eleitoral e a promessa da oportunidade de progresso. Desta vez, com a eleição em níveis locais, teremos um período em que as lideranças deste país - locais e nacionais - terão respostas sobre seus desempenhos como gestores públicos. As organizações da sociedade civil estão prontas para ampliar a voz das urnas com atuações assertivas e, talvez o mais importante neste momento, cobrar para que as mudanças prometidas não fiquem apenas na subida da rampa.

*Elisa Dinelli, é diretora de comunicação na ONG Elas no Poder. 

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