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Bússola Vozes: as reflexões que a PEC 6x1 traz sobre trabalho, gênero e raça no Brasil

Para além de ser uma questão trabalhista, a PEC mostra as camadas de desigualdade estrutural que afetam, de forma desproporcional, as mulheres negras

A PEC 6x1 não é apenas uma proposta legislativa, é um símbolo de esperança e justiça para mulheres negras (UberImages/Thinkstock)

A PEC 6x1 não é apenas uma proposta legislativa, é um símbolo de esperança e justiça para mulheres negras (UberImages/Thinkstock)

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Publicado em 29 de novembro de 2024 às 09h00.

Por Juliana Barros e Sabrina de Almeida*

Neste mês da consciência negra, temos presenciado inúmeras manifestações sobre a proposta de emenda constitucional (PEC) que busca o fim da escala de trabalho 6x1, tema este que nos convida a uma reflexão profunda sobre os resquícios de um Brasil escravagista em que as desigualdades ainda são um dos principais marcadores sociais.

O modelo de trabalho 6x1, que exige seis dias consecutivos de trabalho com apenas um dia de descanso, está arraigado em uma lógica produtiva que remete à herança de origem escravocrata brasileira, quando corpos negros eram propriedades e explorados em jornadas desumanas e brutais de trabalho, sem algum direito ou remuneração. Hoje, ainda que o trabalho seja regulamentado, a desigualdade persiste. Mulheres negras, por exemplo, representam a maioria nos trabalhos ditos como essenciais, como empregadas domésticas, operárias e auxiliares gerais.

Mulheres negras são o maior grupo populacional do país, sendo 60,6 milhões - 28% do total -, e 28,4% da população economicamente ativa. E, ainda assim, não chegam a 16% da renda nacional. Segundo o IBGE, cerca de 50% das mulheres negras no Brasil ocupam postos precarizados, com baixa remuneração, poucas garantias de direitos e alta carga horária.

Essa realidade está diretamente ligada à dificuldade de acesso à escolaridade. O Atlas da Violência de 2021 mostrou que as mulheres negras enfrentam barreiras na educação, sendo mais propensas a abandonar os estudos devido à necessidade de trabalhar ou cuidar de suas famílias. A pesquisa "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça" revela que apenas 8,8% das mulheres negras alcançam o ensino superior, comparado a 22,9% das mulheres brancas. O trabalho de cuidado, o que inclui as questões da maternidade e do núcleo familiar, atribuído, por valores sociais, às mulheres, recai com maior peso sobre as negras: elas são responsáveis por 63% dos lares monoparentais no país, segundo dados do IBGE. A dupla jornada é, também, um indicativo imprescindível para analisarmos a PEC em uma perspectiva de gênero e raça.

Como a PEC 6x1 afeta a vida das mulheres negras

Nesse contexto, a PEC 6x1 surge como uma proposta expressiva não apenas para o alívio na carga de trabalho, mas também para a dignidade das mulheres negras. A redução da jornada semanal, para quatro dias, representa uma oportunidade de redistribuição do tempo de vida, possibilitando maior convivência familiar, cuidado pessoal e, talvez, o retorno aos estudos. É um respiro necessário em meio à exaustão de uma sociedade que sobrecarrega essas mulheres enquanto romantiza a sua força.

E algo que é preciso dar destaque é a relevância dessa proposta ser apresentada por Erika Hilton, uma mulher negra e trans. Ela simboliza um rompimento com as estruturas de poder que tradicionalmente excluem mulheres negras das decisões políticas. Sua trajetória, assim como a de tantas outras, é um reflexo da resistência contra as barreiras impostas por raça, gênero e classe.

É essencial trazer o recorte de gênero e raça ao analisar a PEC. A proposta não é neutra, pois suas consequências beneficiam diretamente aquelas que estão na base da pirâmide social - as mulheres negras. Uma política que reduz a jornada semanal e reestrutura o modelo de trabalho tem o potencial de diminuir desigualdades históricas e abrir caminhos para um futuro mais igualitário.

A PEC 6x1 não é apenas uma proposta legislativa, é um símbolo de esperança e justiça para mulheres negras que lutam por reconhecimento, direitos e dignidade. Que a luta diária de tantas mulheres ao longo dos anos, inspire nossas ações para que possamos construir um Brasil onde todas as pessoas possam viver com dignidade, direitos assegurados e qualidade de vida.

*Juliana Barros é jornalista, comunicadora e Vice-presidente da ONG Elas no Poder.
*Sabrina de Almeida é bacharel em História, comunicadora e voluntária da ONG Elas no Poder

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