"A questão não é o negro, mas a branquitude envolta pela supremacia branca" (Klaus Vedfelt/Getty Images)
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Publicado em 5 de dezembro de 2023 às 07h00.
Por Rachel Andrade*
A racialização de pessoas brasileiras é resultado de um longo e doloroso processo, legitimando a concentração de recurso a uma determinada parcela da população, às custas da subjugação de outras.
As amarras da branquitude agem para a manutenção de privilégios e, não, a população branca não está em vantagem socioeconômica por mérito, mas por esforços ativos para a perpetuação dessa realidade. Cida Bento tem um importante conceito que detalha essa realidade, o pacto narcisístico da branquitude: um pacto de cumplicidade não verbalizado entre pessoas brancas, que visa manter seus privilégios. E claro que elas competem entre si, mas é uma competição entre segmentos que se consideram “iguais”. Exemplos básicos para o que aqui se coloca, trazemos os casos a seguir.
Comecemos pelas reiteradas Proposta de Emenda à Constituição, que concede anistia a partidos políticos que não cumpriram as cotas mínimas de destinação de recursos em razão de sexo ou raça nas eleições. Não há como não pensar na configuração do Congresso Nacional, de maioria branca, masculina e cis, que pensa em si e por si, refletindo na alienação para com a população e na importância de se ter mais pessoas negras nos espaços da política institucional.
Em recente estudo do Núcleo de Estudos Raciais da Insper, há importantes evidências sobre a participação de pessoas negras em posições de liderança no setor público, tal realidade contribui para proposição de leis e políticas públicas dedicadas à inclusão, aumento relativo na participação da força de trabalho da população negra, entre outros benefícios. Apesar disso, encontra-se forte resistência para o acesso de pessoas negras nesses espaços, como a PEC da anistia, e o mesmo estudo destaca algumas razões para isso, como discriminação e desigualdade do poder, o pacto narcisístico encapsula bem isso.
Outro caso de disputa de poder e da resistência em aceitar pessoas negras para além de posições de subalternidade cristalizado pela branquitude, levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça aponta que a equidade racial na magistratura brasileira só será alcançada no ano de 2044. Sendo muito difícil os esforços internos das instituições para o alcance dessa equidade quando situações como esta ocorrem: Juízes e juízas da Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco (Amepe) assinaram um manifesto contra um curso online que seria ministrado a eles sobre racismo.
Por sua vez, enqunto aqueles que julgam, acusam e defendem são maioria branca, os que são cerceados em sua liberdade, negros. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública informa que a população carcerária brasileira é composta de maioria masculina e negra, com indicativo de diminuição de pessoas brancas presas ao longo de 2005-2019, mesmo período em que houve aumento de pessoas negras encarceradas. Não há cegueira alguma na Justiça nacional.
Continuando, segundo estudo da consultoria IDados, 37,9% dos homens negros e 33,2% das mulheres negras com ensino superior estão em ocupações que exigem apenas nível fundamental ou médio. Não é comum encontrar organizações, por mais benevolente que seja a missão institucional, com poucas, ou somente uma pessoa negra na equipe, e, ainda assim, ocupando os menores cargos na hierarquia. Não importa o quão qualificada seja a educação dessa pessoa, no fim, a percepção dos que avaliam, dos que contratam, é a de não competência e preparo.
Raça é marcador de desigualdades no Brasil, sendo importante tecnologia em sua legitimação, permitindo os privilégios de um determinado grupo, em detrimento daqueles que não pertencem a tal grupo. Para além de ser barreiras a serviço básicos, é estruturante em modos de enxergar o mundo, onde se naturaliza a verticalização de relações na sociedade como um todo.
Por fim, e como já ensinou Cida Bento, a questão não é o negro, mas a branquitude envolta pela supremacia branca, uma relação de dominação de um grupo sobre outro. Nesse sentido, retirar o olhar do grupo colocado como objeto de análise e deslocar para aqueles colocados como sujeitos universais, brancos, é preciso.
*Rachel Andrade é Diretora de Pesquisa na ONG Elas no Poder
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