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Bússola Vozes: a crise de saúde mental não é individual, é estrutural

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um crescimento alarmante nos afastamentos do trabalho por transtornos mentais e as mulheres são as mais impactadas.

 (Carolina Conte / EyeEm/Getty Images)

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Publicado em 28 de abril de 2025 às 07h00.

Por Juliana Barros*

Dados do Ministério da Previdência Social indicam, em 2024, um aumento de 68% nos afastamentos do trabalho por transtornos mentais, comparado ao ano anterior. No total, mais de 470 mil trabalhadores precisaram se afastar devido a questões psicológicas.
Mas será que estamos, de fato, enfrentando somente uma crise de saúde mental? Ou o problema é ainda mais profundo? O modelo de sociedade que vivemos, marcado pelo capitalismo e pelo machismo, impõe condições que atingem de forma desproporcional as mulheres.
Quando o sofrimento mental se torna um fenômeno coletivo, ele denuncia as condições estruturais que o provocam. Ainda assim, é comum que o discurso dominante tente individualizar a questão, tratando-a como um problema biológico, desviando a atenção das condições de trabalho e vida que levam ao adoecimento.

A forma como a crise é abordada na mídia é reveladora. Uma matéria escrita por um grande veículo de comunicação, por exemplo, destaca que "o Brasil vive uma crise de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas". O foco se volta para os prejuízos na produtividade e no mercado, enquanto as condições de quem adoece são negligenciadas. As mulheres, que lidam com jornadas duplas, desigualdade salarial e sobrecarga mental, são ainda mais impactadas por essa realidade.

Claro que é essencial que quem enfrenta sofrimento psíquico tenha acesso a cuidados profissionais. No entanto, tratar apenas os sintomas sem transformar as estruturas que os geram é perpetuar um ciclo de exploração. O uso da psicologia e da psiquiatria para moldar indivíduos a um sistema exaustivo é mais um instrumento de opressão.

A crise de saúde mental e o impacto nas mulheres

A crise não é apenas de saúde mental. A crise é a precarização do trabalho, é a alienação no trabalho, é a falta de condições dignas para viver. E as mulheres estão no centro desse sofrimento. Sobrecarregadas, mal remuneradas e atravessadas por violências cotidianas, são as mais vulneráveis a esse adoecimento.

Segundo a PNAD 2022, enquanto os homens dedicam, em média, 11 horas semanais ao trabalho doméstico e ao cuidado de outras pessoas, as mulheres acumulam mais que o dobro dessa carga, chegando a 21,4 horas.

Além disso, a pressão por equilibrar carreira, maternidade e responsabilidades domésticas tem um custo alto: uma pesquisa da ONG Think Olga apontou que 86% das mulheres no Brasil sentem-se sobrecarregadas, e quase metade delas já recebeu diagnóstico de ansiedade ou depressão. Esse cenário de exaustão ainda se agrava com as violências estruturais que atravessam suas vidas.

Em 2024, o país registrou mais de 1.200 feminicídios, número que reflete um crescimento alarmante ao longo da última década. A cada hora, 100 mulheres são vítimas de algum tipo de violência, seja ela física, psicológica ou sexual, segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).

Diante desse quadro, é impossível reduzir o sofrimento psíquico a uma questão individual. O adoecimento das mulheres não pode ser tratado apenas como uma consequência isolada de sua saúde mental, mas como um sintoma de uma estrutura que exige demais e oferece pouco em troca.

Por isso, precisamos olhar para as causas estruturais desse problema. A solução vai além do atendimento clínico: exige transformação social.

*Juliana Barros é comunicadora e Vice-presidente da ONG Elas no Poder.

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