O presidente Lula (Andressa Anholete/Getty Images)
Analista Político - Colunista Bússola
Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 15h00.
A declaração do presidente Lula sobre Israel, evocando comparação desigual entre holocausto e o massacre conduzido hoje na Faixa de Gaza pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tem poder de dano duplo: nas relações internacionais, como já ficou demonstrado, e nas disputas eleitorais deste ano, como pode ainda acontecer.
Nas relações diplomáticas, os punhos e rendas tradicionais podem também ser usados como ataduras para cobrir feridas e estancar sangramentos. Na disputa política eleitoral, o sangue pode não estancar tão facilmente. A lógica de eleições, pelo contrário, pode gerar mais feridas abertas e hemorragias internas nos contendores.
Lula não conseguiu apoio de grandes nações para sua avaliação comparativa ao holocausto – de resto um erro histórico e conceitual. Mesmo compreendendo que haja a intenção explícita de denunciar um crime contra a humanidade dentro de um guerra de extermínio onde há 25 palestinos mortos para cada judeu. As 1,3 mil vítimas de Israel pereceram em sua maioria no atentado terrorista do Hamas – o deflagrador do conflito ao atacar civis, crianças e mulheres.
A fala de Lula o distancia ainda mais de um público nacional que passou a estar ligado por laços espirituais aos judeus, os evangélicos. Notadamente os pentecostais. É sempre bom lembrar que há mais templos religiosos no país do que hospitais e escolas.
O impacto sísmico da declaração foi notado principalmente na cidade de São Paulo, onde o chão tremeu sob os pés de Guilherme Boulos (PSol), candidato de oposição ao prefeito Ricardo Nunes (MDB). Habilidoso com palavras e criativo nas respostas, Boulos não encontrou a fórmula de como negar o presidente ou endossar a afirmação. Tentou uma saída tucana, mas não teve asas para voar.
A equação usada por Boulos não conciliou suas crenças pró-palestinas sem ferir o influente o eleitorado paulistano de origem hebraica. E, por correlação, os numerosos evangélicos que vivem às margens do encoberto Riacho do Ipiranga. Estima-se que esse eleitorado flutue acima de 30% da população total brasileira, com característica de grande unidade de ação e pensamento – o que torna um público que pode ter ação social impactante numa disputa eleitoral acirrada como aparenta ser a da capital São Paulo.
Os evangélicos votaram majoritariamente em Jair Bolsonaro em 2018 e 2022. O Palácio do Planalto traça estratégias para se aproximar desse público. Mas a declaração do presidente é mais uma pedra no caminho para mostrar a esses crentes de que Lula e eles nutrem a mesma fé. Eles podem manifestar, já neste ano, um voto de desconfiança nos candidatos do PT, ou apoiados pelo governo federal. E dificultar os planos do governo de eleger um aliado na principal cidade do país.
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