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Bússola Poder: só a política explica

Lula sentiu no ar o aroma de uma organização se movendo contra seu projeto de manter o poder por mais quatro anos em 2026

Lula abriu o verbo porque percebeu o tamanho da movimentação (Marcelo Casal/Agência Brasil)

Lula abriu o verbo porque percebeu o tamanho da movimentação (Marcelo Casal/Agência Brasil)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 5 de julho de 2024 às 15h00.

Animal político com senso de percepção extremamente aguçado, o presidente Lula não comete erros sem uma boa razão que explique suas motivações. A pancadaria verbal direcionada ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a elevada taxa de juros tem o componente econômico, mas o ingrediente principal na escolha do oponente é a política.

Campos Neto é o primeiro presidente do Banco Central a contar com legislação que lhe concede autonomia para suas decisões monetárias e mandato definido independente das vontades presidenciais. Não soube usar o instrumento ganho para se apresentar como um gestor independente da política. Tinha relações pessoais com integrantes do governo anterior, o que é normal, mas vestiu a camisa do time de governo com que chegou ao poder. Literalmente.

O ato ficou escancarado quando Campos Neto foi votar em 2022 com a camisa amarela da seleção brasileira, uniforme extraoficial do eleitorado de Jair Bolsonaro. A vitória de Lula o colocou no campo da oposição institucional – independente, mas distante do ponto de vista político-ideológico, quando a questão deveria ser a tecnicidade da economia.

Há algumas semanas, deixou-se levar pelos rapapés de uma homenagem organizada em São Paulo pelos aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos, por enquanto). Jantou com oposicionistas do Palácio do Planalto como se não houvesse ainda um mandato a terminar em dezembro. Sua experiência recente de conflitos com Lula recomendaria que esperasse descer o elevador do Banco Central pela última vez para comparecer a convescotes de onde participantes vazam versões futuras de ministérios para governos que sequer existem ainda. Um jantar discreto com caldo de galinha teria evitado dores de cabeça e críticas ácidas à sua postura, e muito menos pressão sobre o Comitê de Política Econômica.

É nesse ponto que a teoria política de expectativa de poder de um grupo embalado por algumas taças de vinho encontra a dura vida de quem está acostumado a destilar intenções ocultas nestes encontros. Lula sentiu no ar o aroma de uma organização se movendo contra seu projeto de manter o poder por mais quatro anos em 2026. Empresários, banqueiros, fazendeiros e grupos políticos da elite paulista já embarcaram numa candidatura de Tarcísio de Freitas para 2026, mesmo que o próprio governador tenha toda cautela de evitar o tema. É união de dinheiro, poder e vontade de mudar os rumos do país mais uma vez, depois de grande decepção de certos grupos com a forma de conduzir de Lula.

Tarcísio sabe que não pode avançar o semáforo eleitoral sem o sinal verde de Jair Bolsonaro. Nem vai se aventurar se perceber que Lula está fortalecido na disputa com chances reais de vencer a eleição em 2026. Somente atenderá os apelos de sua claque se perceber que tem muitas chances de ganhar, além de verificar no tempo certo as variáveis para um naufrágio iminente do barco petista. Com reeleição garantida no horizonte (salvo algum desastre), pode esperar 2030.

O fato é que Tarcísio ofereceu o jantar a Roberto Campos Neto, visto pelo mercado como um ativo de ouro em cotação estratosférica se for alçado à condição de Ministro da Fazenda, ou Economia como foi a denominação no período de Bolsonaro. Lula quis baixar essa cotação de Tarcísio e Campos Neto, mesmo que o custo fosse a elevação do dólar. Errou a mão: o dólar subiu demais. A política afeta mais a economia do que calculam nossas vãs ações ordinárias com direito a voto na urna eletrônica.

Lula abriu o verbo porque percebeu o tamanho da movimentação. Foi contido internamente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo desastre que estava promovendo no câmbio. Nem por isso deixou de mirar em Tarcísio de Freitas, a quem denunciou por sua ausência durante eventos presidenciais em Campinas. Lula faz política o tempo todo, e faz mapas de cada passo de seus adversários, eventuais ou reais. Pode até errar o tiro, mas o alvo ele sabe que pode ser real. E se move por 2026.

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