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Bússola Poder: que língua fala o Congresso Nacional?

O espanhol deixará de ser obrigatório no ensino médio. Confira a análise de Márcio de Freitas sobre esta e outras decisões recentes que envolveram o Congresso

“Raramente o policial terá domínio do espanhol, mas poderá interpretar à sua maneira se a quantidade de droga apreendida é para uso ou tráfico” (FG Trade/Getty Images)

“Raramente o policial terá domínio do espanhol, mas poderá interpretar à sua maneira se a quantidade de droga apreendida é para uso ou tráfico” (FG Trade/Getty Images)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 19 de abril de 2024 às 07h00.

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O Congresso Nacional pode tomar decisões que afirmam sua autoridade, mas também pode se mostrar ininteligível para os brasileiros – os maiores interessados em boas decisões, cada vez mais raras. Há questões sendo votadas que parecem de pouca importância, mas não o são. Seguem adiante por visão política estreita ou falta de noção sobre o impacto estratégico no futuro do país. 

Ao tentar mudar a lei do ensino médio, o governo federal misturou preconceito e visão ideológica contra a proposta aprovada no governo de Michel Temer. A reformulação poderia ser melhorada, e o relator da matéria na Câmara, Mendonça Filho, conseguiu fazer avanços e negociar com o governo. Houve ganhos e perdas.

Um exemplo significativo de perda é que o espanhol deixou de ser matéria obrigatória no currículo do ensino médio. O país continuará fechado em sua concha à realidade de estar praticamente cercado por falantes de espanhol por todos os lados na América do Sul. No mundo, mais de meio bilhão de pessoas falam espanhol. Este é um mercado que deveria pesar na avaliação dos parlamentares, independente da língua ideológica falada por Javier Milei ou Nicolás Maduro. A visita do presidente Lula à Colômbia mostrou que há potenciais econômicos para ganhos bilaterais significativos. Há ideias em gestação para abrir caminho para o Oceano Pacífico através da Cordilheira dos Andes, passando por países de língua espanhola antes de chegar aos grandes mercados do Oriente. Isso seria estratégico para encurtar distâncias e diminuir custos para os exportadores brasileiros.

O Senado pode aprovar, nos próximos dias, o silêncio final da educação brasileira para essa realidade ao retirar do ensino médio a obrigatoriedade do espanhol, língua de García Márquez e Cervantes. Toda essa estratégia de aproximação com nossos vizinhos fica mais difícil. É o Brasil buscando o caminho do isolamento.

Parece que o Congresso brasileiro quer criar dificuldades para o país, não apenas nesse setor, mas também em outros. Quando não é a ignorância, é o sentimento de revanche que pode contaminar as decisões. Por exemplo, adotar um critério absoluto para punir usuários e traficantes de drogas para se contrapor ao Supremo Tribunal Federal. A Proposta de Emenda à Constituição aprovada nesta semana pelo Senado é ruim em várias formas. Começa pela redação, vaga e incerta – em contraponto aos resultados que certamente serão piores que o soneto.

Como diria um avaliador com sentimento real, o medo do guarda da esquina ficará ainda mais evidente perto das bocas de fumo. Raramente o policial terá domínio do espanhol, mas poderá interpretar à sua maneira se a quantidade de droga apreendida é para uso ou tráfico – o que será referendado depois da prisão por autoridades judiciais. Mas que quantidade? Sabe-se lá... Coisa já difícil em um país onde Tim Maia costumava lembrar que traficante se vicia e cafetão se apaixona... Além do já conhecido suborno por parte de maus profissionais, de onde quase sempre os filhos abonados da elite costumam se safar com o financiamento paternal. Convém lembrar que os senadores também têm filhos...

Há ainda brigas que podem contaminar os grupos que trabalham na regulamentação da Reforma Tributária. Câmara e Ministério da Fazenda já disputam o protagonismo, mal começou a tramitação da matéria. Eles não estão falando a mesma língua no momento. E podem afastar investidores que esperam um ambiente de negócios mais favorável. Mas se o Congresso não se preocupa com a língua de nossos parceiros mais próximos, por que se preocupar ainda com os alemães, chineses, holandeses, zulus? Ao Congresso só falta promulgar emenda determinando que o Brasil é, de direito sem fato, uma ilha.

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