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Bússola Poder: o voto de Serra contra a unanimidade

Serra teve grande aproveitamento como membro do parlamento, se saindo bem em vários cargos diferentes, mas não o suficiente para chegar ao Planalto

Político foi o único a votar contra a emenda atual (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

Político foi o único a votar contra a emenda atual (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

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Publicado em 7 de julho de 2022 às 18h00.

Por Márcio de Freitas* 

Antipático, de relação difícil, exigente no trabalho, mal-humorado, perfeccionista, centralizador, egocêntrico, vaidoso e arrogante. Imagine um perfil com predicados desse naipe se tornar político? Pouco provável. Mas alguém com esses atributos se tornou e conseguiu se destacar como um dos melhores homens públicos do país. O senador José Serra tem 80 anos, e ele é isso tudo, mas é muito mais do que essa superfície sem atrativos. Na semana passada, foi o único voto no Senado contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Benefícios, segundo o governo, ou Camicase, segundo os críticos. A PEC abre as burras do tesouro para tentar alavancar votos de última hora nas eleições deste ano. 

Aos adjetivos pejorativos de Serra, somam-se outros, fartos como seus cabelos: são os predicados positivos. Eles explicam sua trajetória exitosa na política. Um deles é a coragem de remar contra a maré, como revelou há muitos anos em seu exílio no período do regime militar. Assim como a inteligência e o afinco persistente de esmerilhar temas áridos. Foi o que permitiu a ele que, de volta ao país, participasse da elaboração de programas sociais modelares, e que formulasse políticas públicas de qualidade e impacto transformador. Nunca teve medo do tamanho das brigas, como foi o caso dos genéricos. 

Serra conseguiu grande êxito como parlamentar. E foi muito bem no executivo. Foi secretário de estado, ministro, prefeito, governador, deputado e senador sempre com brilho ou competência – mesmo segundo adversários, que reclamam de sua capacidade de argumentos, da dureza das críticas e da profusão de intriga. Nunca alcançou no Palácio do Planalto, um sonho que tentou em duas eleições. Fracassou – seja por falhar na leitura política do momento, seja por não ter o carisma necessário para se tornar um líder popular. 

Sua carreira caminha para o ocaso, mas deixando exemplo de compromisso e coerência como matéria fundamental para construir um nome de referência na política. Infelizmente, o exemplo não está sendo multiplicado. O estoque de nomes desse porte no país está abaixo do nível crítico. O caso da PEC demonstra que expressar o que se pensa de fato ao eleitor não é mais artigo comum no Congresso: o medo das ruas, das redes sociais, do corte de verbas do governo… tudo é motivo para inibir o político. “Sou contra, mas voto a favor”, virou mantra num Congresso onde a mediana da elite é medíocre. 

O único voto contrário de Serra entre 73 inviabilizou a unanimidade burra que acomete o rebanho que corre para o abismo. Resolve-se um problema imediato criando dois ou mais, maiores, para o futuro - e se adiou a solução de um problema já cantado há tempos. O voto contrário de Serra deu peso à Constituição, e a respeitou. Diferente dos outros que parecem tratá-la como terreno baldio - um lote sem dono onde se joga entulho, lixo, móveis quebrados… Qualquer coisa pode cair no texto da Carta, que já não é Magna. Vai minguando de importância. Por ser detalhista demais, já tinha texto além da conta. E mais emendas vão remendando a colcha de fuxico colorido que não tem padrão - é uma profusão de cores que revelam ao final o caleidoscópio da ingovernabilidade brasileira. 

A política nacional se pauta pelo improviso diante da pandemia, um fato extraordinário, óbvio, mas que há mais de dois anos assola as relações pessoais, econômicas e sociais do mundo. E se acentuou pela falta de guia ou parâmetro. Os problemas que a PEC se propõe a resolver surgiram em 2020, agravaram-se em 2021 e foram elevados à potência máxima em 2022. A guerra da Ucrânia explodiu em fevereiro, com o petróleo subindo constantemente de acordo com a retomada do mercado (e agora caindo com a sinalização de inversão na retomada econômica). 

Adota-se um remédio radical quando a prevenção ou dosagens menores foram sonegadas - e o efeito colateral se viu na cotação baixa do Real diante do Dólar dos últimos dias. Faz-se isso porque a eleição está logo ali e quem está no poder não quer sair; quem está fora também quer entrar. E tentam ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo na urna. Claro, alguém não conseguirá. Afinal, algumas leis da física também valem para o poder. 

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação 

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