A capacidade de reconhecer o momento de passar o bastão e agir com coragem e visão define os verdadeiros líderes de nosso tempo (AndreyPopov/Getty Images)
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Publicado em 5 de agosto de 2024 às 10h00.
Por Claudia Elisa Soares*
A decisão histórica de Joe Biden, anunciada na tarde de 21 de julho, de desistir da reeleição à presidência dos Estados Unidos, apoiando a vice-presidente Kamala Harris, é um exemplo poderoso de liderança consciente e estratégica quando se refere à sucessão.
O presidente norte-americano, mesmo enfrentando críticas e resistências, escolheu um caminho corajoso ao reconhecer suas limitações e apoiar Kamala, demonstrando um nível profundo de compromisso com o futuro do país.
Este fato é um ótimo pano de fundo para debatermos sobre a importância das transições de liderança dentro das corporações. Líderes empresariais devem adotar uma postura similar, entendendo quando é hora de preparar a próxima geração de líderes para garantir a sustentabilidade e o crescimento de suas organizações.
Esse movimento estratégico de Biden pode ser comparado à necessidade dos CEOs de adotar medidas proativas para assegurar uma sucessão bem-sucedida. Planejar a sucessão não é algo opcional; mais cedo ou mais tarde, torna-se uma obrigação.
A passagem de bastão – por mais bem planejada que possa ser – é sempre um momento delicado, seja em empresas de capital aberto, seja em empresas familiares. Em minha carreira como executiva e conselheira, presenciei e participei ativamente de dezenas de sucessões e sei o quanto esse é um processo que demanda tempo, atenção aos detalhes, antevisão dos fatos e uma comunicação transparente.
No caso das empresas familiares, a resistência em “largar o osso” costuma ser maior, já que muitas vezes o CEO é o criador do negócio e tem um forte vínculo afetivo com o cargo. São anos – às vezes décadas – dedicados à empresa. Sair do posto, muitas vezes, é encarado como “abandonar um filho” e por isso a dinâmica costuma ser um pouco mais morosa, sendo necessárias muitas reuniões com o conselho, sucessores e empresas especializadas em sucessão.
Essencial que o CEO tenha plena consciência e esteja convencido da necessidade de transmitir o cargo para que não haja “recaídas”. Depois, há ainda o processo da escolha do sucessor (que deve estar muito bem preparado para lidar com a pressão e comparações com o antecessor) e a preparação interna dos funcionários e também do mercado.
No caso das empresas de capital aberto, são vários os cenários envolvendo uma sucessão: o CEO pode ter recebido uma proposta para trabalhar em outra empresa, resolveu tirar um sabático ou simplesmente se aposentar. Também pode existir uma passagem de bastão imposta, quando o conselho, acionistas ou mesmo o mercado estão insatisfeitos com a liderança exercida, e exigem uma mudança para tentar melhorar a performance da companhia.
De qualquer forma, uma sucessão exitosa deve seguir algumas diretrizes básicas. Quanto maior for a cultura de sucessão dentro de uma empresa – ou seja, quando a corporação tem programas contínuos de identificação e preparação de líderes – melhor. Caso contrário, há o risco de trazer para o organograma da empresa pessoas sem a cultura e o preparo para assumir o posto.
Listei abaixo seis pontos que devem ser levados em consideração na hora da sucessão:
O primeiro passo para assegurar uma transição eficaz de liderança é identificar talentos dentro da organização que têm potencial para ocupar posições de liderança. Isso vai além de simplesmente avaliar o desempenho atual; é necessário examinar habilidades de liderança, capacidade de tomar decisões estratégicas, adaptabilidade e alinhamento com os valores e a cultura da empresa. Ferramentas como avaliações de desempenho, feedback 360 graus e entrevistas de desenvolvimento são muito úteis nesse processo.
Preparar futuros líderes exige a implementação de programas de desenvolvimento de liderança. Esses programas devem ser abrangentes e incluir treinamento formal, mentoria, coaching e oportunidades práticas de crescimento. A exposição de potenciais sucessores a diversas áreas da empresa através da rotação de tarefas e projetos interdepartamentais amplia suas experiências e os prepara para desafios futuros. Incentivar a participação em conferências e cursos externos também é importante para expandir seus conhecimentos e habilidades.
Para manter os talentos engajados, é fundamental trabalhar com os potenciais sucessores na criação de planos de carreira que alinhem suas aspirações pessoais com as necessidades futuras da organização. Esses planos devem ser revisados e ajustados regularmente, focando em oportunidades de desenvolvimento e crescimento. Discussões abertas sobre objetivos de carreira, interesses e áreas de desenvolvimento são essenciais para alinhar expectativas e garantir que os sucessores estejam prontos para assumir novas responsabilidades quando necessário.
A comunicação aberta e transparente sobre o processo de sucessão é essencial para construir confiança entre os colaboradores e reduzir incertezas e rumores. É importante comunicar claramente os critérios e o processo de seleção de sucessores, bem como os planos de desenvolvimento em vigor. A transparência cria um ambiente de confiança e engajamento, onde os colaboradores compreendem as decisões de liderança e se sentem parte do futuro da organização.
Garantir a continuidade da organização exige a criação de uma cultura que valorize a sucessão e a transição de liderança. Isso envolve reconhecer e recompensar os esforços de desenvolvimento de sucessores e promover um ambiente que incentive o compartilhamento de conhecimentos e experiências. Uma cultura de sucessão sólida também incentiva os líderes atuais a serem mentores e modelos para os futuros líderes, reforçando a importância da preparação e do planejamento para o futuro.
Preparar-se para cenários inesperados, como a saída abrupta de um líder, é uma parte crucial do planejamento de sucessão. Ter um plano de contingência assegura que a organização possa continuar operando de forma eficaz mesmo durante transições. Isso inclui a identificação de líderes interinos, a documentação de processos e responsabilidades críticas e a garantia de uma comunicação interna e externa clara e eficaz durante a transição. A preparação para o inesperado minimiza interrupções e mantém a estabilidade organizacional.
A decisão de Biden é um lembrete poderoso de que a preparação para a sucessão é uma parte essencial da liderança. Em um mundo em constante mudança, líderes que antecipam tendências e respondem de forma ágil estão melhor posicionados para garantir o sucesso de suas organizações. A capacidade de reconhecer o momento de passar o bastão e agir com coragem e visão define os verdadeiros líderes de nosso tempo.
*Claudia Elisa Soares é especialista em ESG e transformação de negócios e líderes e conselheira em companhias abertas e familiares
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