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Bússola ESG: Refúgio 343 acolhe 2.058 famílias e se prepara para atingir escala inédita

Projeto que nasceu da atitude de um ex-executivo da Apple para ajudar refugiados já está em vias de lançar um Fundo Patrimonial e com planos de expansão para o mundo todo

Fernando Rangel (à frente, de camiseta preta) conversa com refugiados venezuelanos em Boa Vista (Renato Stockler/Divulgação)

Fernando Rangel (à frente, de camiseta preta) conversa com refugiados venezuelanos em Boa Vista (Renato Stockler/Divulgação)

Renato Krausz
Renato Krausz

Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola

Publicado em 16 de novembro de 2023 às 08h00.

Última atualização em 16 de novembro de 2023 às 11h41.

Num mundo ideal – e quero crer que ainda possível –, viveríamos num vídeo institucional de uma grande companhia, sorrindo e cuidando do planeta. Estaríamos todos sob regimes democráticos e não só assistiríamos como sentiríamos a prosperidade se espalhar sem deixar ninguém para trás.

Trabalharíamos e/ou investiríamos em empresas que voluntariamente colocariam o bem-estar das pessoas e do meio ambiente numa linha acima do próprio lucro. Os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) estariam relegados aos livros de história, para que as crianças soubessem que, num passado sombrio, a humanidade não tinha licença para desfrutar nem sequer das coisas elementares elencadas naqueles 12 tópicos. O termo refugiados, então, suscitaria somente espasmos de incredulidade: “Como é que se podia viver em paz naquele mundo de antigamente?”

Enquanto esse mundo não chega, a gente não poderia ao menos parar de andar para o lado oposto? Tomemos a questão dos refugiados. Cerca de 115 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas, até setembro deste ano, por motivos diversos: tiranias, guerras, mudanças climáticas e crises econômicas. Em 2050, somente com as motivações climáticas, espera-se que este número cresça para 1,2 bilhão de pessoas.

Neste contexto dramático, a importância de ações individuais e coletivas para enfrentar o problema é gigante. Pessoas, ONGs, empresas, governos, todos precisam agir juntos. Uma única ação pode ter um poder transformador magistral, ainda mais quando ela desencadeia outras e, de repente, começa a trazer resultados em grande escala.

Aconteceu isso em 2018 com o então executivo da Apple no Brasil Fernando Rangel. Atormentado com o problema, ele reuniu uns amigos para adotar uma família venezuelana em São Paulo. Esse acolhimento consistiria em trazer as pessoas para cá, ajudar a arrumar emprego para os adultos, escola para os filhos e cartão SUS para todos, além de pagar um aluguel por alguns meses, até que adquirissem independência financeira – que traz junto dignidade, orgulho e sorriso no rosto. 

Rangel, então, alugou uma casa no número 343 da rua Vicente Pereira de Assunção, na Vila Constância, na zona sul de São Paulo, e a primeira família chegou em junho de 2019: o casal Tajires e Hector, com dois filhos pequenos. Depois de vê-los bem encaminhados, Rangel queria repetir a dose e acabou montando um sistema de acolhimento, sempre com esse tripé em mente: emprego, escola e saúde. A receita de sucesso, viabilizada por um financiamento coletivo, foi aplicada para outras dez famílias. O acolhimento durou de três a seis meses, período após o qual cada uma dessas famílias já estava pronta para seguir a vida no novo país por conta própria.

Fernando Rangel trocou uma carreira de sucesso na Apple Brasil para fundar e se dedicar integralmente ao Refúgio 343 (Renato Stockler/Divulgação)

Nasce o Refúgio 343

Empolgado com a nova atividade, Rangel já estava traçando a meta de acolher mais 100 famílias, quando viu o tamanho da oportunidade que tinha para sua vida. Pediu as contas na Apple e criou o estatuto do Refúgio 343, passando a se dedicar integralmente à recém-criada organização humanitária, cuja missão é a reinserção socioeconômica de refugiados.

No começo, o Refúgio pagava todas as despesas para cada família acolhida, até que Rangel se deu conta de que só conseguiria obter escala se espalhasse os acolhedores por todo o Brasil. E deu certo. Passados quatro anos, a ONG já acolheu 2.058 famílias em 242 cidades – e 94% dessas famílias já conquistaram independência. “Hoje o tempo médio é de dois meses para estarem 100% independentes”, conta Rangel.

Para isso, o Refúgio investiu bastante em educação. Abriu duas escolas, uma em São Paulo, com prazo determinado de 12 meses via uma emenda parlamentar, cuja reabertura já está prevista para 2024, e outra em Boa Vista, em Roraima, que segue em operação. Além de aulas de português, os refugiados podem se desenvolver em áreas como informática, coquetelaria e limpeza. Já foram concedidas 5.131 certificações na Escola Refúgio, com quase 8 mil horas aula.

Com um projeto tão bem estruturado, prêmios e recursos começaram a aparecer. O Refúgio 343 foi eleito a melhor organização de direitos humanos do Brasil em 2021 e a melhor organização do terceiro setor em 2022. Para coroar, em 2023, recebeu o Prêmio Empreender Social, promovido pelo jornal Folha de S.Paulo e pela Fundação Schwab, na categoria escolha do leitor. 

E os recursos? Faltam somente R$ 140 mil para completar o orçamento previsto para 2023, de R$ 1,8 milhão. E o Refúgio acaba de lançar um grupo de investidores-anjo com o objetivo de arrecadar R$ 6 milhões para financiar as operações dos próximos três anos. Integram o grupo grandes executivos como Pedro Navio (Kraft Heinz), Luis Fernando Porto (Localiza), Stefan Kozak (Guayakí Yerba Mate) e Argeu Géo (Banco Pottencial). Um pouco mais da metade da meta de R$ 6 milhões já está lá depositada.

O próximo passo será criar um Fundo Patrimonial, e Rangel está com viagem marcada para os Estados Unidos para tratar disso. Faz ainda parte dos planos de sustentabilidade financeira do Refúgio o desenvolvimento de modelos de negócios sociais, incluindo venda de serviços e produtos para empresas que tenham como foco o ESG, a diversidade e a inclusão. Segundo Rangel, nos próximos três anos, esta frente deverá ser  responsável pelo financiamento de 100% dos custos operacionais. 

O Refúgio já atendeu famílias de 19 nacionalidades, mas a grande maioria é de venezuelanos. Mais de 7 milhões de pessoas já migraram do país vizinho para cá, naquela que é considerada a maior crise humanitária da América Latina. Essa situação foi capaz de tirar o sono de Rangel. “Eu vim de família muito pobre, então meu maior sonho era não passar necessidade. Quando eu vi que ele já estava realizado, acabei o transferindo para contribuir com um mundo melhor”. A Tajires, o Hector e tantas outras pessoas e famílias podem garantir que ele está no caminho certo.

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