Cada vez mais os CFOs estão se aproximando dos CEOs (Hiraman/Getty Images)
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Publicado em 13 de março de 2023 às 17h30.
O que faz um CFO? A resposta para essa pergunta tem mudado bastante com o tempo, e hoje ela está ainda mais ampla e diversificada – o escopo de responsabilidades do líder de finanças é cada vez mais extenso. Com a crescente adoção de tecnologias digitais, disrupções causadas pela pandemia de COVID-19 e uma onda de incertezas geopolíticas e econômicas, os CFOs estão mais próximos do CEO e assumem cada vez mais um papel central nas agendas estratégicas e de criação de valor de suas organizações. O papel passa por uma acelerada mudança em todo o mundo e, apesar de não ser diferente no Brasil, temos aqui algumas particularidades.
Há mais de dez anos, a McKinsey realiza uma pesquisa global bienal com CFOs, seus pares, gerentes financeiros e outros colaboradores C-level de empresas listadas ou não. Em julho de 2022, pela primeira vez, a pesquisa avaliou também o contexto específico brasileiro, com um total de 60 executivos entrevistados de 8 setores.
Quando comparados a seus pares globais, os CFOs no Brasil têm um escopo de atuação mais restrito e mais focado no longo prazo, enfrentam maior resistência para implantar ferramentas digitais e maiores desafios de governança para liderar grandes transformações – a seguir aprofundamos cada um desses pontos.
Quando comparamos o número de áreas funcionais subordinadas ao líder de finanças, no Brasil os CFOs se mostram mais focados em relações com investidores, M&A, segurança cibernética e precificação. Embora grande parte das responsabilidades dos CFOs no Brasil seja equivalente a de seus pares globais, nas áreas de ESG, auditoria e compliance, os CFOs brasileiros atuam significativamente menos e têm menos ingerência.
Comparados à média global, na pesquisa realizada em meados do ano em curso, os CFOs no Brasil gastam menos tempo em atividades com foco no curto prazo, como custo e produtividade, dedicando mais tempo às atividades com foco no longo prazo, como liderança estratégica junto ao time executivo, integração pós M&A e alocação de capital.
CFOs no Brasil também investem menos tempo em formação de capacidades (como treinamentos e capacitações), transformação organizacional e digitalização/ aplicação de analytics às suas áreas. Existem aí, portanto, oportunidades de avanço significativo, pois essas atividades tendem a melhorar o desempenho operacional futuro de suas áreas e, por consequência, das suas companhias como um todo. Com uma maior dedicação direcionada às áreas desse tripé, os CFOs brasileiros podem encontrar uma oportunidade de diferenciação para suas organizações em relação aos pares locais.
Nos últimos 12 meses, as interações entre CFO e o CEO só aumentaram no Brasil, tanto em frequência quanto em número de atividades, independente da temática considerada. Isso mostra que o papel dos CFOs no Brasil está se tornando cada vez mais relevante, com ênfase maior em planejamento estratégico, transformações organizacionais e atividades para redução de custos.
Em uma época marcada pela volatilidade, com inflação, guerra e eleições, está claro que o CFO é o par com quem o CEO mais conta. A pesquisa global identificou um aumento significativo de interações entre CFOs e CEOs, o que parece ser consequência do comportamento verificado durante a pandemia de COVID-19. Os dados mostram que o engajamento do CFO agrega valor significativo – quando CFOs ajudam a desenvolver programas ESG, por exemplo, os resultados sugerem maior alinhamento com os objetivos críticos da empresa.
Por outro lado, o papel do CFO pode se tornar muito demandante e exigir uma bifurcação da função financeira em duas frentes: a primeira concentrada exclusivamente em contabilidade, com um número dois ou três dedicado apenas a isso; a outra, focada em prover fundamento crítico na tomada de decisões – onde o chefe de Planejamento e Análise Financeira, por exemplo, atua como conselheiro das unidades de negócios.
Muitas empresas estão fazendo revisões fundamentais de seus modelos de negócios e os líderes financeiros estão explorando maneiras de acelerar o ritmo das mudanças. Nesse movimento, a importância da digitalização nas funções da área financeira só cresce. Cerca de metade das empresas recorre ao digital para atividades transacionais, mas o nível de digitalização geral ainda é baixo – a maioria dos processos de planejamento, orçamento e previsão ainda dependem de planilhas e soluções corporativas tradicionais.
Ou seja, existem aí oportunidades importantes, tanto para implementar, quanto para aprimorar o uso das tecnologias digitais. Com investimentos na área, especialmente em gerenciamento de estoque, acompanhamento e gestão de desempenho, orçamentação e projeções (incluindo desenvolvimento de cenários), os CFOs no Brasil podem liderar os processos de tomada de decisão com base em insights, fatos e dados de forma mais eficaz, abrangente e eficiente.
Para as empresas brasileiras, as mudanças mais benéficas foram melhoras na análise de gastos e processos mensais de fechamento acelerados. As empresas globais priorizaram outros processos, como melhorar os insights em análise de dados e aprimorar o desenvolvimento e planejamento de previsões e possíveis cenários futuros.
Isso indica a sequência esperada na extração de inteligência a partir de dados: é preciso antes promover a digitalização dos processos e viabilizar a devida identificação, coleta e tratamento das informações financeiras estratégicas, para então prosseguir à aplicação de tecnologias e ferramentas e extrair dali os insights estratégicos. As evidências da pesquisa sugerem que, globalmente, os CFOs possam estar em um estágio mais avançado do uso de dados, enquanto no Brasil percebemos esforços no estágio anterior de digitalização.
Para que tais avanços se concretizem em insights, cientistas de dados e profissionais afins se tornam grandes parceiros potenciais do CFO, e aqui a capacitação se mostra essencial – tanto para propiciar aos profissionais financeiros um mínimo de entendimento sobre fundamentos de estatística e ciência de dados, quanto para elucidar os conceitos econômico-financeiros fundamentais aos profissionais de dados. Assim, a criação de equipes multidisciplinares para trabalhar em conjunto nos projetos que visam gerar insights de inteligência parece ser um fator importante para o sucesso dos CFOs.
Para investir em digitalização, os principais desafios que o CFO terá de enfrentar são o baixo impacto percebido em esforços anteriores de digitalização em finanças e a falta de capacidade interna para avaliar o real valor dessa transformação. Isso mostra que a divulgação adequada dos casos de sucesso da digitalização no Brasil pode ser uma alavanca central nesse esforço.
Apesar das melhorias nos anos anteriores, cerca de 30% dos entrevistados brasileiros ainda consideram o processo financeiro geralmente ineficaz e mais de 30% relataram ROI negativo – em comparação às empresas globais, empresas brasileiras foram as que apresentaram o maior número de casos de ROI negativos devido a investimentos em TI e digital no ano passado.
As empresas brasileiras têm se concentrado em transformações de grande escopo (67%), que afetam a empresa inteira, com os objetivos de modernizar os sistemas de TI, reduzir custos e melhorar a experiência do cliente – esses três motivos justificam 64% das transformações realizadas.
No entanto, por mais que, de fato, os esforços brasileiros levem a uma percepção de melhorias tanto a curto quanto a longo prazo para mais da metade dos respondentes, os resultados são inferiores àqueles observados no contexto global. Mesmo priorizando um escopo maior, as empresas brasileiras têm sido menos bem-sucedidas em suas transformações do que as empresas globais – estão diversos pontos aquém, tanto na conquista de melhorias quanto em sustentar um desempenho aprimorado pós transformação.
Além disso, a pesquisa mostra que, no Brasil, os CFOs tomam menos iniciativa para capitanear uma transformação do que seus pares globais. Embora os CEOs sejam, tanto aqui quanto lá fora, as principais mentes por trás desses processos – cerca de 64% das transformações brasileiras foram iniciadas pelo CEO da empresa, contra 62% lá fora – os CFOs brasileiros são consideravelmente menos proativos e perdem participação para outros membros da diretoria, como o chefe de operações, tecnologia ou recursos humanos.
Quando investigamos os motivos por trás dessa postura menos proativa no Brasil, um dado se destaca: a falta de governança, necessária para uma mudança real, é considerada o maior entrave para CFOs brasileiros iniciarem ou se envolverem mais em transformações. Este tema já estava patente e emergia nas mesas-redondas de CFOs que realizamos ou das quais participamos nos últimos anos, e os resultados da pesquisa o corroboraram.
Os CFOs no Brasil se engajam menos nas atividades de transformação do que a média global. Eles acreditam que a principal forma de agregar valor a um programa de transformação é estabelecer metas gerais, definir referências de performance (KPIs) e melhorar o desempenho financeiro. Esta visão dos CFOs sobre o que significa engajar-se em uma transformação está claramente desalinhada em relação à perspectiva dos outros executivos.
Na média global, os CFOs se consideram bastante engajados com os programas de governança, com os CFOs brasileiros apresentando visões levemente menos otimistas. Mas outros executivos percebem os CFOs significativamente menos envolvidos nesses tópicos.
Em relação aos programas ambientais, os CFOs brasileiros se consideram pessoalmente envolvidos no seu desenvolvimento e treinamento, mas outros executivos percebem os CFOs mais envolvidos em estabelecer indicadores de desempenho. No social, o otimismo dos CFOs brasileiros sobre sua atuação em programas sociais também não é confirmado por outros executivos. Enquanto os CFOs brasileiros se consideram pessoalmente envolvidos no desenvolvimento de programas, alocando recursos para programas sociais, seus pares estão menos cientes do envolvimento deles nesses tópicos.
A dicotomia de visões sugere que o diálogo entre os CFOs e seus pares tem claramente espaço para melhorar, o que certemente promoverá uma atuação mais coordenada e coerente na definição e execução das agendas de ESG. Até porque os CFOs no Brasil concordam que os programas ESG têm suscitado cada vez mais interesse do investidor – o tempo hoje investido na gestão de temas ambientais e sociais está atualmente aquém das demandas dos investidores. Isso só reforça que existe um trabalho de alinhamento interno a ser feito e com potencial a ser capturado.
A pandemia teve um papel importante em preparar as empresas para lidar com futuras crises e, com o interesse crescente dos investidores no tema de ESG, CxOs têm passado mais tempo se comunicando e se preparando para falar sobre. CFOs também precisam se preparar. Elas e eles podem desempenhar um papel importante para definir a postura de suas respectivas empresas em tópicos difíceis como clima, desigualdade social e diversidade.
Lidar com os problemas complexos enfrentados atualmente pelas organizações exige um engajamento de todos na organização, e aqueles limites outrora claros de função e escopo de trabalho, que delimitavam nitidamente as “caixinhas” de atuação de cada área, são hoje menos óbvios. Não à toa, há anos o Fórum Econômico Mundial enfatiza a necessidade de certas competências para o profissional do futuro – como pensamento analítico, capacidade de resolução de problemas complexos, criatividade e flexibilidade, entre outras. Elas se aplicam a todo profissional, inclusive C-levels de funções consideradas mais técnicas, como é o caso do profissional financeiro.
O momento de volatilidade que vivemos representa uma oportunidade para o CFO conquistar mais impacto e tornar-se praticamente um copiloto do negócio com o CEO – talvez não seja por acaso que, na sopa de letrinhas dos cargos de C-level, o F vem logo depois do E.
*João Guillaumon é sócio da McKinsey & Company no escritório de São Paulo, e João Lopes Sousa é sócio associado.
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