"Sempre uma tentação para o poder" (webphotographeer/Getty Images)
Analista Político - Colunista Bússola
Publicado em 4 de dezembro de 2023 às 14h00.
Última atualização em 4 de dezembro de 2023 às 18h35.
A política costuma montar armadilhas para os políticos, lato sensu, que constroem a trajetória com base em princípios absolutos. Em algum momento, geralmente quando o político ou seu grupo ascendem a posições de poder, esses princípios são capturados no redemoinho das disputas políticas, e o princípio antes férreo acaba pintado com as cores da seletividade e da hipocrisia.
Esse roteiro é especialmente frequente entre os autoproclamados defensores dos direitos humanos. E do estado de direito. Nesses casos, é sempre útil fazer o teste definitivo. Quando estiver diante de um defensor dos direitos humanos, ou do devido processo legal, verifique se ele os defende também para os inimigos, e não apenas para os aliados.
Mas nem todo produto vencido está estragado. Mesmo ao custo de ver desvestida a hipocrisia, mesmo a nudez do rei estando visível, o estratagema pode perfeitamente funcionar. Acontece quando a hipocrisia e a seletividade entram em consonância com os desejos, ódios ou preconceitos das massas, e essas deformidades do espírito transformam-se em força material.
O mecanismo tem aplicabilidade quase universal. Na política externa, quando interessa, invoca-se o direito das nações à autodeterminação. Em outros casos, prevalece a exigência externa de que o país siga religiosamente os direitos humanos e certos modelos de democracia preestabelecidos.
Outro princípio é a exigência da solução pacífica dos conflitos. Mais um teste que nunca falha. Quando o político levanta a justa bandeira da paz, verifique se ele faz isso também quando o lado que ele apoia numa guerra está em vantagem, quando existe a possibilidade real de o conflito ser resolvido favoravelmente pela força das armas.
Nesses casos, o mais comum é o pacifista indignado transmutar-se rapidamente em defensor do direito à autodefesa, ou à rebelião.
Mas tudo tem um outro lado. A hipocrisia e a seletividade características da política abrem o mercado de oportunidades para os grilos falantes que se dedicam a exigir coerência. Para o que foi dito ontem continuar valendo hoje. E estará completo o elenco do teatro político. Mesmo os espetáculos de qualidade duvidosa atrairão público.
Quando é que o equilíbrio entra em risco? Uma situação clássica é quando a vida das massas se deteriora e o governante, de tantas máscaras vestidas e desvestidas, de tanto dizer algo e seu contrário, torna-se um desconhecido grotesco e perde a condição de liderar. Outra é quando alterações ambientais provocam o extermínio em massa dos grilos falantes.
Sempre uma tentação para o poder. A combinação das duas circunstâncias costuma ser fatal. Aí aparecem os relâmpagos em céu azul, e tudo que é sólido se desmancha no ar.
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