Énois mostra como é possível produzir livros de economia criativa sem os jargões da Faria Lima (Alexandre Schneider/Getty Images)
Bússola
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 11h55.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2022 às 13h25.
Por Juan Saavedra*
É possível produzir livros de economia criativa sem os jargões da Faria Lima? A resposta pode ser dada pela Énois, agência de jornalismo inclusiva, criada pelas jornalistas Amanda Rahra e Nina Weingrill.
Em 2009, ambas montaram um laboratório de jornalismo para jovens do Capão Redondo, na periferia paulistana. Era um projeto voluntário, pelo qual chegaram a treinar 300 estudantes em cursos presenciais.
Cinco anos depois, a coisa cresceu. Daí surgiu uma escola online de jornalismo, que chegou a habilitar estudantes para produzir conteúdo mais tarde publicado em veículos parceiros — incluindo UOL Tab, The Intercept, The Guardian, Nexo e BBC.
A experiência acumulada evoluiu para outros projetos inclusivos. Um deles é o “Prato Firmeza Preto: o guia gastronômico das quebradas”, vencedor do Prêmio Jabuti 2021, o mais relevante reconhecimento do mercado editorial brasileiro, na categoria Economia Criativa.*
A iniciativa é 100% voltada para quem come e empreende na periferia — as edições têm resenhas produzidas pelos jovens, também moradores das periferias de São Paulo, que estejam no programa de formação jornalística.
“A Énois nasceu para impulsionar a diversidade no jornalismo”, diz o gestor de Desenvolvimento Institucional da agência, Ivan Barbosa, em conversa com a coluna.
A agência traduz essa visão para sua equipe. Barbosa é um exemplo dessa visão. Com passagens pela iniciativa privada e setor público, o profissional de relações públicas e pós-graduado pela ECA-USP é um “homem negro formado nas quebradas da zona norte de São Paulo. E pai, boleiro, sambista, cozinheiro, malokeiro”, conforme diz em seu perfil.
Em conversa com a coluna, ele conta que a ideia do “Prato Firmeza” veio da forma mais orgânica possível. Em uma das atividades da escola, um estudante dissera que os guias gastronômicos paulistanos eram “extremamente elitistas” e que faltava algo que mostrasse os pratos da periferia da cidade.
“A partir dessa ideia, a gente conseguiu fomento e foi um sucesso. O ‘Prato Firmeza’ ficou em sexto lugar no Jabuti 2017 e ganhou menção honrosa na Câmara Municipal. Vimos um grande potencial. É um projeto em que a gente capta recursos, forma grupos locais para a produção jornalística e editorial, e contrata parte desses jovens. Tudo é feito por eles”, observa.
A captação vem de leis de incentivo à cultura e de aportes privados. O projeto premiado no Jabuti, por exemplo, contou com apoio principal da Cargill e patrocínio da Abril, Atacadão, Total Express e Uber. A Énois também faz captação com pessoas físicas em plataformas como Vaquinha Online.
O total arrecadado chegou a R$ 1 milhão. “O ‘Prato Firmeza Preto’ foi o guia que a gente melhor captou recursos. No total, 77 pessoas foram contratadas: 95% eram de pessoas pretas, 100% de grupos periféricos. Eles escreveram, fizeram pesquisa e design. E na outra ponta mapeamos pretos que têm histórias de restaurantes bacanas”, explica Barbosa.
A ideia expandiu fronteiras e chegou ao Rio de Janeiro, com um guia voltado para a comunidade de Manguinhos. Outros “Firmezas” com captações concluídas tratam da gastronomia da região metropolitana de São Paulo e da cozinha de dez capitais brasileiras. Também está nos planos um guia geek.
“O mais importante”, aproveita Barbosa, “é o 'Pratinho Firmeza'. Estamos captando recursos para a versão infantil. Nosso objetivo é tratar da segurança alimentar para crianças, com receitas para que as crianças abordem os pais a partir desse guia”.
Segundo ele, parte do financiamento da Énois vem sendo obtida com projetos ligados a direitos humanos, inclusive com capital estrangeiro. Entre os apoiadores e investidores estão organizações como a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Open Society Foundations (leia-se George Soros).
A atenção do mercado corporativo aos temas sociais, por conta do chamado ESG, ainda não vem se traduzindo em receitas.
“O ESG não necessariamente chega nos públicos que a gente trabalha”, conclui Barbosa.
(*) Veja os nomes dos autores e coletivos responsáveis pelo "Prato Firmeza Preto - Guia Gastronômico das Quebradas de SP". Link para download gratuito do guia.
*Juan Saavedra é jornalista e consultor de comunicação na Loures
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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