Bússola

Um conteúdo Bússola

Ageless: o que dizer, o que não dizer e como criar uma cultura antietarista

Não tem mais sentido falar sobre inclusão como tendência; devemos tratá-la como cultura

 (fizkes/Getty Images)

(fizkes/Getty Images)

Bússola
Bússola

Plataforma de conteúdo

Publicado em 4 de agosto de 2025 às 10h00.

Por Mauro Wainstock*

Vivemos um momento histórico em que a longevidade da população desafia antigos paradigmas organizacionais. Nesse cenário, a comunicação intergeracional e o letramento etário tornam-se ferramentas indispensáveis para a construção de ambientes de trabalho mais inclusivos, inovadores e sustentáveis.

O etarismo, que afeta pessoas de todas as faixas etárias, é uma barreira silenciosa, sutil e naturalizada. Raramente explícita.

Múltiplas faces

A Organização Mundial da Saúde categoriza este preconceito em três tipos principais:

Etarismo Institucional: Refere-se a leis, políticas e práticas organizacionais que discriminam com base na idade. Exemplos incluem a restrição da participação de profissionais 50+ em programas de desenvolvimento ou liderança, a limitação de campanhas de marketing apenas a "jovens", e a adoção de critérios etários em planos de aposentadoria que não consideram o desejo de continuar contribuindo profissionalmente.

Etarismo Interpessoal: Envolve as relações do dia a dia, como comentários entre colegas, piadas em família ou atitudes de desconfiança baseadas na idade. Tratar clientes mais velhos com um tom infantilizado, desconsiderar sugestões de profissionais experientes ou subestimar a competência de jovens são exemplos claros.

Etarismo Autodirigido: Ocorre quando a própria pessoa internaliza estereótipos de idade e, com isso, se autolimita. Um profissional 50+ que evita se candidatar a uma vaga por achar que "já passou da idade" ou sentir-se inseguro para liderar projetos de inovação por acreditar que tecnologia é "coisa de jovem" são manifestações desse tipo de etarismo.

Normalmente, o etarismo é somado a outras formas de opressão, como a discriminação étnica ou de gênero, ampliando desigualdades e impactando negativamente de maneira específica e intensa.

Impactos do etarismo

Os efeitos são prejudiciais em múltiplos níveis:

Nas pessoas, o etarismo pode levar a:

  • - Redução da autoestima e da autoconfiança.
  • - Isolamento social.
  • - Problemas de saúde mental.
  • - Sensação de inutilidade ou perda de propósito.

Nas empresas, o etarismo resulta em:

  • - Perda de talentos experientes e diversos.
  • - Reforço de uma cultura homogênea e pouco inovadora.
  • - Imagem institucional desatualizada, excludente e desalinhada com as expectativas de uma sociedade longeva.
  • - Menor conexão com um público consumidor mais velho, que no Brasil representa um poder de compra de mais de R$ 1,8 trilhão.
  • - Desalinhamento com boas práticas de ESG.
  • - Baixa representatividade etária nos times, impactando decisões e produtos.

Na prática, o que evitar na comunicação

A comunicação é uma ferramenta poderosa que pode tanto perpetuar quanto combater o etarismo. É fundamental estar atento às nuances da linguagem.

No trabalho:

  • - Evite dizer: "Está na hora de você se aposentar." Por quê? Essa frase pressupõe que o profissional mais velho não tem mais valor produtivo.
  • - Evite dizer: "Esse cargo é para alguém mais jovem." Por quê? Essa fala é discriminatória e desconsidera competências.
  • - Evite dizer: "Essa geração nova quer tudo na mão." Por quê? Generaliza e reforça divisões entre gerações.
  • - Evite dizer: "Você é qualificado demais" ou "Você é overqualified." Por quê? Termos frequentemente usados para excluir pessoas mais velhas do mercado.
  • - Evite dizer: "Vamos contratar talentos jovens." Por quê? "Jovem" vira sinônimo de talento, excluindo outras faixas etárias.
  • - Evite dizer: "Vocês são uns dinossauros." Por quê? Humilha de forma coletiva e irônica.

No atendimento ao público:

  • - Evite dizer: "Tiozinho / Vovozinho" (ao falar com clientes ou colegas). Por quê? Termos infantilizantes, muitas vezes usados com condescendência.
  • - Evite dizer: "Os idosos estão pegando o lugar de quem trabalha." Por quê? Supõe que pessoas mais velhas não são produtivas ou não têm responsabilidades.

Na saúde:

  • - Evite dizer: "Você está ótimo/ótima para a sua idade." Por quê? Reforça a ideia de que "estar bem" na velhice é exceção.
  • - Evite dizer: "Essa dor é coisa de velho." Por quê? Naturaliza problemas de saúde como inevitáveis com a idade.

Em tecnologia:

  • - Evite dizer: "Você não vai entender, deixa que eu faço" ou "Essa tecnologia não é para sua geração." Por quê? Exclui a pessoa do processo de aprendizagem e reforça um papel de dependência.
  • - Evite dizer: "Você é uma exceção por usar redes sociais nessa idade." Por quê? Surpresa excessiva por competências básicas reforça o estereótipo de incapacidade.

Na vida social:

  • - Evite dizer: "Ela poderia ser a mãe dele." Por quê? Critica relações com diferença de idade e gênero.
  • - Evite dizer: "Está querendo parecer mais jovem." Por quê? Julga escolhas de estilo ou comportamento como impróprias para a idade.

Boas práticas

A diversidade etária é uma oportunidade estratégica. Com até cinco gerações convivendo no mesmo ambiente, aprender a comunicar-se com clareza, respeito e eficácia é vital para a inovação, manutenção de talentos e produtividade. 

Algumas dicas:

- Promova o letramento: ofereça treinamentos e rodas de conversa para colaboradores. Utilize dados e histórias reais para sensibilizar, mostrando que o envelhecimento é um processo natural e que a velhice deve ser tratada com dignidade.

- Estimule a formação de equipes intergeracionais em projetos e comitês internos. A diversidade de idades traz diferentes perspectivas e soluções criativas. Crie programas de mentoria onde profissionais mais jovens e mais velhos possam trocar conhecimentos e experiências.

- Revise processos de recrutamento e promoção: elimine critérios etários, sejam eles explícitos ou implícitos, das descrições de vagas. Use linguagem inclusiva, focando em habilidades, experiências e competências.

- Valorize a diversidade etária na comunicação interna e externa. Evite estereótipos que associam a velhice à fragilidade ou incapacidade. Selecione palavras e imagens que representem as fases da vida sem reforçar estereótipos.

O papel das lideranças

Dar o exemplo: 

Lideranças que demonstram uma postura inclusiva e respeitosa em relação à idade inspiram suas equipes.

Investir em treinamento e desenvolvimento contínuo: 

Garanta que todos os colaboradores tenham oportunidades de crescimento e atualização de habilidades. Reforce que não há idade para aprender.

Monitorar e avaliar a diversidade etária: 

Defina métricas e acompanhe o progresso na inclusão de diferentes faixas etárias em todos os níveis da organização. Conheça as gerações da sua empresa e escute seus desejos específicos.

Criar um ambiente seguro para denúncias: 

É essencial que os colaboradores se sintam seguros para denunciar casos de preconceito etário. No Brasil, discriminar uma pessoa com 60 anos ou mais pode configurar crime, com pena de até 1 ano de reclusão e multa, conforme o Estatuto do Idoso (Art. 96).

Forme grupos de afinidade: 

Crie espaços para debates e escuta entre todas as gerações.

Trabalhe com a cocriação: 

Ao elaborar ações e políticas, envolva representantes das diferentes faixas etárias.

Inclusão como cultura

Ao promover uma comunicação consciente, as empresas não apenas cumprem um papel social importante, mas também colhem benefícios tangíveis em inovação, produtividade e conexão com um mercado consumidor cada vez mais diverso e longevo. Não tem mais sentido falar sobre inclusão como tendência; devemos tratá-la como cultura: a construção de ambientes verdadeiramente antietaristas é um convite para o futuro, onde a idade é um ativo e não uma barreira.

Bora fazer acontecer agora!

*Mauro Wainstock é palestrante e consultor sobre Turnover e Comunicação Intergeracional. Foi eleito o 10º influenciador Mundial em Diversidade e inclusão, nomeado TOP RH influencer América Latina e LinkedIn TOP VOICE (3 selos). É membro do Instituto Brasileiro de ESG, da Diversity Board e conselheiro de várias empresas, além de coautor de vários livros.

Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube 

 

Acompanhe tudo sobre:cultura organizacional

Mais de Bússola

CNPJ terá novo formato — e empresa sai na frente com solução de IA para enfrentar os desafios

Líderes em crise precisam entender isso se quiserem manter suas equipes

Empresa brasileira de saúde aposta em IA – que já acerta até 90% dos casos de câncer silencioso

Opinião: aeroporto Galeão é exemplo de tudo que pode acontecer em concessões no setor de aviação