Tigela restaurada com a arte japonesa do Kintsugi (Marco Montalti/Shutterstock)
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Publicado em 31 de agosto de 2023 às 14h28.
Última atualização em 18 de setembro de 2023 às 17h02.
Por Cristiano Zanetta*
Aqueles que já experimentaram a perda de alguém querido compreendem profundamente a jornada pela fase do luto. Mas, essas etapas não se limitam apenas a um estado emocional em resposta a uma perda significativa, mas também podem representar uma reviravolta abrupta nas circunstâncias de vida, a perda de um emprego, questões de saúde, entre outros cenários possíveis. No contexto contemporâneo e empresarial, as fases do luto manifestam-se e são vivenciadas de diversas maneiras, como sentimentos de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Essa trajetória ressoa com as descobertas delineadas no livro "Sobre a Morte e o Morrer," de Elisabeth Kübler Ross (1969), onde a autora explora, por meio de entrevistas com indivíduos enfrentando doenças graves e depressão, os cinco estágios emocionais que todos atravessam durante o processo de luto. Vale ressaltar que essas fases não seguem uma ordem rígida e nem todas as pessoas experienciam todas elas. Observando o contexto organizacional, as mudanças dentro de uma empresa, os desafios profissionais ou até mesmo perdas simbólicas, como projetos que não foram concluídos, podem levar os colaboradores a percorrer essas diferentes fases do processo de luto.
É inevitável que os indivíduos dentro de uma empresa passem por uma ou mais dessas fases em algum momento. A única variável é a duração de cada uma delas. Entre esses estágios, a fase de depressão se destaca como a mais desafiadora. A negação pode se manifestar como resistência a mudanças, enquanto a raiva frequentemente surge como insatisfação. A fase de barganha pode ser identificada quando os indivíduos buscam alternativas para lidar com a situação, e a depressão pode se tornar aparente através da total falta de esperança. Por fim, a aceitação emerge como a acomodação à nova realidade.
No ambiente corporativo, por exemplo, a depressão pode se traduzir em abandono de cargos, desânimo profundo em relação ao trabalho e até mesmo na manifestação de um desempenho inadequado pelo trabalho e até mesmo a realização de um mau protagonismo. Isso evidencia que, em vez de negligenciar essas reações, as organizações podem obter vantagens ao fomentar um ambiente propício para a expressão saudável dessas emoções, visando evitar o acúmulo de tensões não solucionadas.
Uma pesquisa realizada pela EY em parceria com a Universidade de Oxford destaca a importância das emoções humanas no sucesso ou fracasso de transformações de negócios dentro de empresas. Os resultados, provenientes de uma pesquisa com 935 líderes de companhias e 1.127 trabalhadores de diferentes escalões e setores em 23 países, revelaram que líderes que priorizam as emoções da força de trabalho em suas transformações têm 2,6 vezes mais chances de obter sucesso do que aqueles que negligenciam esse aspecto emocional.
A pesquisa também apontou que mais da metade dos entrevistados (52%) afirmou ter recebido apoio emocional completo de suas empresas em decisões e mudanças organizacionais complexas. Por outro lado, quando os resultados foram negativos, houve um notável aumento na tensão emocional das pessoas envolvidas.
A implementação de programas de aconselhamento, a formação de grupos de apoio e a adoção de políticas de flexibilidade constituem medidas que podem capacitar os funcionários a enfrentar esses desafios de maneira construtiva. Ao promover a resiliência, as organizações capacitam seus membros a desenvolver habilidades de enfrentamento e a se adaptar de forma mais eficaz às mudanças, contribuindo, assim, para a criação de um ambiente mais saudável e produtivo.
Ao reconhecer que os funcionários podem percorrer essas fases enquanto enfrentam os desafios cotidianos, as empresas têm a oportunidade de fomentar uma cultura organizacional mais empática, resiliente e adaptável. A concepção de que acolher e compreender a dor, independente de sua natureza, pode atuar como um agente propulsor para o crescimento e a transformação, tanto em nível pessoal quanto coletivo.
O Kintsugi, uma arte tradicional japonesa de restauração de cerâmica, envolve a utilização de metais preciosos, como ouro, para reparar peças quebradas. A expressão "kintsugi" se traduz como "união de ouro". A técnica do kintsugi requer um adesivo especial, tipicamente à base de laca japonesa, misturado com pó de ouro, prata ou platina.
Essa composição é utilizada para reconectar as partes fragmentadas da cerâmica, com linhas douradas ou metálicas que se destacam na peça restaurada. Aqui, a intenção não é dissimular as falhas, mas realçá-las, transformando as marcas em narrativas intrínsecas da peça.
Além de sua aplicação prática na restauração, o kintsugi possui um simbolismo profundo. Ele encarna a aceitação da imperfeição e a apreciação da história de um objeto. Esta filosofia é fundamentada no conceito do wabi-sabi, uma estética japonesa que celebra a beleza encontrada na impermanência, na simplicidade e nas falhas.
Da mesma forma que o Kintsugi restaura a cerâmica, nossas próprias jornadas merecem ser celebradas não apenas por sua utilidade, mas também pela narrativa que trazem consigo.
Essas trajetórias destacam que as marcas deixadas pelo passado podem ser integradas com dignidade e reverência, testemunhando não apenas nossa resiliência, mas também nossa habilidade de extrair significado mesmo dos momentos mais desafiadores.
*Cristiano Zanetta é reconhecido oficialmente pela Warner Bros como o Batman do Brasil, é empresário, palestrante TED e filantropo. Uma das maiores referências brasileiras em humanização que contribuiu para a reinvenção de ações sociais por todo o país
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