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A miopia educacional brasileira

A falta de visão no planejamento das políticas educacionais faz o país perder o foco e cair em armadilhas

A falta de visão no planejamento das políticas educacionais faz o país perder o foco e cair em armadilhas (Amanda Perobelli/Reuters)

A falta de visão no planejamento das políticas educacionais faz o país perder o foco e cair em armadilhas (Amanda Perobelli/Reuters)

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André Martins

Publicado em 12 de fevereiro de 2021 às 16h15.

Fala-se que a educação brasileira é uma das piores do mundo. Espera-se de uma nação emergente como o Brasil mais do que investimentos e debates sobre o assunto, mas foco na equalização do ensino para evitar que a falta de visão nos leve para as armadilhas da pobreza. Isso passa pelo planejamento em políticas educacionais, evitando que os ambientes mais técnicos e sofisticados do país para tratar do assunto sejam acometidos pela polarização de verdades, vide o exemplo da pandemia.

Mesmo cheia de dados, a educação brasileira evita botar o dedo na ferida em metas importantes, deixando de traduzir de forma didática a tragédia educacional brasileira. A referência dessa falta de planejamento e visão está nos resultados do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Aluno (Pisa) da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos. A medição foca integralmente em aprendizagem, sem misturar as avaliações com indicadores secundários. Pelo Pisa ser uma prova equalizada entre 79 países, ele possibilita comparar a nossa performance. Os estudantes brasileiros estão nas últimas posições em leitura, matemática e ciências, informação já conhecida e pouco vista pelo establishment da educação.

A OCDE recomenda em suas diretrizes globais que todos os países façam um grande esforço para garantir que todos os seus jovens cheguem aos 15 anos pelo menos no nível quatro do Pisa, o que seria equivalente ao jovem dominar os conceitos do 7º ano do Fundamental. Com a digitalização da economia, só restarão empregos para este grupo. Abaixo disso, o jovem sequer tem cognição para aprender uma nova profissão. Na média, nos países da OCDE, apenas 26% dos alunos chegam nesse patamar, o que é a raiz de vários problemas sociais e da grande desigualdade no capitalismo ocidental.

A outra referência relevante do Pisa é o nível dois que a OCDE considera que o ser humano precisa apresentar para poder ser um cidadão pleno hoje, e não no futuro. Uma boa avaliação revela que esses estudantes podem ser excelentes operários de fábrica, trabalhadores de telemarketing e de profissões que devem ser extintas. No Brasil, ainda hoje, quase 70% dos nossos alunos não alcançaram esse nível da prova. Isso quer dizer que eles não dominam as quatro operações da matemática e não são totalmente alfabetizados. E a loucura é que a grande maioria está com um diploma de Ensino Médio oficial na mão. O mesmo se repete no ensino particular, com a lógica de agradar ao cliente que paga mensalidade. Ou seja, o gargalo está na Educação Básica.

Mesmo superando todas as bravatas e falsos dilemas entre metodologias de alfabetização, o que sobra de debate educacional no Brasil? O que tivemos de projeto em educação nas últimas duas décadas? Tivemos o Fies. Mas colocar gente nas universidades, diferir o pagamento e não exigir vestibular, num país que só tem 4% de jovens acima do nível quatro do Pisa, não faz muito sentido. Produzimos um exército de diplomados com curso superior e que não conseguem escrever um e-mail longo ou resumir um livro.

Tivemos também o grande foco no Ensino Técnico e toda a temática da empregabilidade. Todos grandes projetos, mas ainda em um país que só tem 13% dos alunos acima do nível três, o nível mínimo que se pode aceitar para alguém conseguir aproveitar um ensino técnico de qualidade. O nivelamento das competências básicas, em todas as idades, é o remédio, o único remédio, não tem atalho. Não há problema brasileiro que não tenha raiz nessa tragédia educacional.

Esse é, aliás, o grande fator por trás do salto que a China deu desde a década de 80. O diferencial não é o seu regime totalitário ou a força do Estado empresário. O diferencial da China foi o foco na educação, gastando menos do que o Brasil. Com 40 anos de foco na Educação de Base e muito pragmatismo, a China hoje, pelo menos nas suas 19 maiores cidades, onde aproximadamente 50% da população mora, está em primeiro lugar no Pisa. O desenvolvimento dos estudantes é o real motor da revolução industrial na China e da crescente dominância chinesa na tecnologia, que só se acentua à medida que essa nova geração de jovens que tiveram uma nova Escola de Base na China progrida em idade.

Estima-se que 25% dos seres humanos têm alguma disfunção de visão. Em nossas escolas públicas, apenas 5% dos alunos portam óculos. Ou seja, um quinto dos estudantes sequer está enxergando o quadro negro e ninguém faz nada a respeito. Quanto custam os óculos? Hoje em dia, a preço social, está largamente disponível por R$ 39 a unidade com a lente. Custaria menos de 1% do orçamento da educação brasileira fazer todas as crianças pelo menos enxergarem o que está acontecendo em sala de aula. Na China, 100% das escolas têm equipamento para triagem visual. No Brasil somos simplesmente míopes!

(*) Paulo Batista é fundador e CEO do Alicerce Educação

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