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A lógica perversa dos reajustes dos planos de saúde

“Ao permitir uso livre e sem acompanhamento pela operadora da infraestrutura de atendimento, o sistema de Saúde Suplementar privilegia o desperdício em vez da eficiência”

Os mais impactados serão inequivocamente os chamados planos coletivos (Germano Lüders/Exame)

Os mais impactados serão inequivocamente os chamados planos coletivos (Germano Lüders/Exame)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 29 de janeiro de 2021 às 12h19.

Última atualização em 29 de janeiro de 2021 às 19h46.

A chegada do novo ano é sempre um dissabor para o orçamento dos brasileiros. Junto com ele, vêm os indesejados e inadiáveis tributos e contas de janeiro, como IPTU, IPVA, além de lista imensa de material escolar para quem tem filho. E, para tornar a situação ainda mais crítica, desta vez chegou também o “boleto bomba” do plano de saúde aos cerca de 47 milhões de brasileiros que se esforçam para fazer caber no bolso o acesso à Saúde Suplementar.

Como se o recrudescimento da Covid-19 nas últimas semanas não fosse por si só assustador o suficiente, a pandemia traz como herança impiedosa de 2020 a cobrança retroativa dos reajustes suspensos entre os meses de setembro e dezembro. O valor total do que deixou de ser cobrado nos quatro últimos meses do ano passado poderá ser diluído em até 12 parcelas. Ainda assim, não significa alívio a uma população crescentemente impactada pela crise econômica, refletida na alarmante taxa de desemprego no país, que alcançou 14,3% e atingiu 14,1 milhões de pessoas, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A situação é tão alarmante que o Procon-SP informou que entrará com uma ação civil pública contra todos os planos de saúde para suspender ou reduzir o percentual de reajuste do ano passado. De acordo com a entidade, os clientes que receberem boletos mensais com cobranças abusivas poderão fazer uma reclamação durante este mês de janeiro. Mas não é só isso. Para piorar esse quadro, o brasileiro ainda estará pagando a conta do retroativo de 2020 quando o reajuste de 2021 chegar em meados deste ano.

Em alguns casos, há ainda o aumento por faixa etária. Portanto, a boleto mensal só tende a ficar mais caro.

E os mais impactados serão inequivocamente os chamados planos coletivos, que representam 80% do mercado de Saúde Suplementar do Brasil. Nessa categoria, incluem-se os planos empresariais (oferecidos por muitas empresas aos funcionários), aqueles voltados às PMEs (micro e pequenas empresas com até 29 vidas) ou ainda os por adesão, uma alternativa criada para incluir pessoas físicas na modalidade coletiva.

Isso porque é exatamente nessas modalidades de planos que os aumentos exorbitantes se acumulam ao longo dos anos, tornando praticamente impossível às pessoas físicas manter o acesso de suas famílias ao sistema de saúde privada. Para se ter ideia da consequência para o orçamento familiar, nos últimos três anos, o aumento nos planos coletivos por adesão em São Paulo foi de 44%, muito superior ao dos individuais autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Neste contexto de sucessivas elevações de preço, impera a lógica injusta de empurrar ao cliente final os altos custos, sem levar em consideração a sua capacidade de honrar um boleto com cifras estratosféricas.

Alguns solucionadores de plantão apontam uma maior regulação da ANS sobre as operadoras como resolução para todos os males. Regulação é sempre importante, mas, se o caminho fosse exclusivamente este, o país contaria com a melhor saúde privada do mundo: desde a criação da Lei 9.656/98 até agora, foram editadas 54 Medidas Provisórias e 969 atos normativos sobre o mercado.

Sabidamente, não é isso que testemunhamos Brasil afora. Ao contrário, o que se vê é um sistema de Saúde Suplementar que, ao permitir o uso livre (e frequentemente desnecessário, sem qualquer acompanhamento por parte da operadora) da infraestrutura de atendimento, privilegia o desperdício ao invés de racionalização, eficiência e qualidade assistencial. Prova disso, é o incremento nas despesas com assistência à saúde que, entre 2014 a 2019, passaram de R$ 105 bilhões para R$ 179 bilhões representando um crescimento de 70,8%, de acordo com dados do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS).

Nesse cenário de desequilíbrio, é importante mostrar aos clientes que existem, sim, alternativas viáveis a serem analisadas, como os planos individuais. Eles trazem vantagens aos clientes, sendo a principal delas ter o reajuste anual limitado pela ANS. Por exemplo, o reajuste dos planos individuais foi de 8,14%, índice que foi fixado pela ANS para o exercício 2019/20, contra os mais de 15%, em média, para aqueles que têm os coletivos no mesmo período. Além disso, é mais fácil contratar um plano individual, que pode ser feito por qualquer pessoa física diretamente com a operadora sem exigência de um número mínimo de vidas para a adesão. Também traz segurança ao cliente, já que não há risco de a operadora cancelar o contrato de forma unilateral sem motivo.

Quanto à sobrecarga do sistema, certamente chegou o momento de revolucionar o setor da Saúde Suplementar, promovendo uma transformação cultural na forma de se cuidar da saúde com planos individuais que garantam o atendimento personalizado e acolhedor dos médicos de família, figura central para acompanhar toda a jornada de saúde do cliente. Esse profissional conhece a fundo o histórico de cada pessoa e, por isso, consegue realizar a prevenção e o acompanhamento contínuo. Com esta mudança de modelo, as operadoras de saúde entregarão um sistema mais efetivo, menos oneroso e com mais qualidade a seus clientes.

* Anderson Nascimento, Vice-Presidente Executivo do Qsaúde

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