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A epopeia da vacina contra a covid-19

Organização Mundial da Saúde denunciou no ano passado a “desigualdade escandalosa” na distribuição de vacinas

Fortalecer os sistemas de saúde constitui condição essencial para enfrentar o futuro (Rodrigo Paiva/Getty Images)

Fortalecer os sistemas de saúde constitui condição essencial para enfrentar o futuro (Rodrigo Paiva/Getty Images)

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Publicado em 3 de junho de 2022 às 13h27.

Última atualização em 3 de junho de 2022 às 15h44.

Por Hugo Sigman*

Sucedeu há pouco mais de um século: entre 1918 e 1919, a pandemia que passaria à história como a “gripe espanhola” matou cerca de 60 milhões de pessoas e contagiou um terço da população mundial, que nessa época se calculava em um bilhão e oitocentos milhões de habitantes.

A pandemia de covid-19 ceifou 6 milhões de vidas, um número dramático que sem embargo é inferior à cifra de mortes pela gripe espanhola sobre uma população quatro vezes maior. A diferença – não cabem dúvidas – se explica pelas vacinas.

Tardaram menos de um ano para serem desenvolvidas e começar a serem aplicadas as primeiras vacinas contra a covid. Na realidade, o dado não é tão surpreendente. Tanto as vacinas de ARN mensageiro como as de adenovírus — no primeiro caso as da Pfizer-BioNTech e Moderna; no segundo as de Johnson & Johnson, Cansino, Sputnik e Oxford/AstraZeneca – empregaram plataformas que vinham sendo estudadas para outros propósitos.

Antes da covid já existiam estudos que buscavam aplicar a tecnologia de ARN mensageiro para tratar tumores como o melanoma, e as vacinas de adenovírus estavam sendo investigadas para outros coronavírus, como o SARS e o MERS.

Esses estudos prévios permitiram elaborar as vacinas contra a covid em tempo recorde, um feito para o qual contribuíram os formidáveis progressos prévios no campo da biotecnologia e o trabalho de milhares de cientistas de todo o mundo. Também foi decisiva a solidariedade e a cooperação no âmbito científico. Nesse ponto, foi crucial a decisão da China de tornar públicos os dados da sequência do genoma do SARS-CoV-2, o que permitiu seguir o processo evolutivo do vírus de maneira simultânea ao desenvolvimento da pandemia: um evento sem precedentes na história científica mundial.

No entanto, passada essa etapa, restavam, todavia, desafios importantes, já vinculados não com a elaboração da vacina, mas com a cadeia de produção, a disponibilidade de insumos para fabricar e envasar as doses, a logística, a distribuição e a necessidade de produzir a toda velocidade milhões de doses a um preço acessível. Os avanços nesse aspecto foram mais difíceis que na criação das vacinas.

A própria Organização Mundial da Saúde denunciou no ano passado a “desigualdade escandalosa” na distribuição de vacinas: não se trata apenas da corrida científica, mas de outra corrida; econômica e diplomática, que se entrelaça com questões políticas e de infraestrutura, e cujos resultados foram muito mais decepcionantes.

Por isso, uma conclusão que a esta altura é praticamente indiscutível é que o investimento que os países façam em saúde, que em muitas ocasiões se considera uma sobrecarga, tem o poder de beneficiar ou prejudicar de modo muito direto o crescimento econômico. A pandemia deixou bem claro: um evento relacionado com a saúde criou a maior crise econômica em todo o século 19 e parte do 21. Mas o impacto também se observa no sentido contrário: quando a pandemia começa a resolver-se, a economia se restabelece, o consumo se recupera e a produção volta a ativar-se.

Trata-se de um dos ensinamentos básicos que nos deixa a pandemia. A saúde é condição para o funcionamento da economia, e o que se invista na primeira repercute na segunda: construir um aeroporto ou uma estrada é tão importante como um hospital ou rede de esgoto.

Se, como se acredita, o vírus que causa a covid se originou por uma transmissão de morcegos a humanos, é razoável pensar que novas zoonoses possam acontecer no futuro, tendo em conta a crescente convivência dos seres humanos com os animais, o aumento da população mundial e as novas conexões entre zonas silvestres com os centros urbanos.

Embora seja necessário seguir investigando para poder nos antecipar a novas enfermidades, fortalecer os sistemas de saúde constitui uma condição essencial para enfrentar um futuro incerto.

*Hugo Sigman é médico psiquiatra e fundador do Grupo Insud

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