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A arte de engolir sapos

Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília

Guedes e Maia: "Em jantar na última segunda-feira, o ministro da Economia foi apresentado a uma nova modalidade de refeição para tentar superar sua repulsa" (Adriano Machado/Reuters)

Guedes e Maia: "Em jantar na última segunda-feira, o ministro da Economia foi apresentado a uma nova modalidade de refeição para tentar superar sua repulsa" (Adriano Machado/Reuters)

Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 7 de outubro de 2020 às 15h20.

O profissionalismo de um político está diretamente relacionado à capacidade dele de engolir sapos, e dos grandes. Os ex-presidentes da República Jose Sarney e Michel Temer foram gourmands nesta arte política. Fernando Henrique Cardoso engolia, mas falava mal durante a degustação dos anfíbios, muitas vezes comparando, com certo esgar, o prato à buchada de bode.

Espécie de canibal barbado da turma, Lula comia e servia a outros poderes os sapos do Palácio do Planalto, dependendo da situação. O capitão do time foi servido bem passado no banquete do julgamento do mensalão no STF. Dilma Rousseff nunca engoliu sapo algum. Na verdade, os sapos do Congresso devoraram a presidenta sem pudor de gênero.

O presidente Jair Bolsonaro começou só recentemente a ser introduzido nesta culinária exótica aos da antipolítica. E parece degustar cada vez com mais prazer. Gosta de consumi-los acompanhado por cerveja ou tubaína. Vai do momento. Percebe-se que Bolsonaro é muito espontâneo nos hábitos alimentares.

Já alguns integrantes de cargos de destaque na Esplanada dos Ministérios demonstram pouco paladar para engolir sapos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, resiste ao cardápio com razoável estardalhaço. Já provou. Regurgita e nem sempre consegue manter o petisco na boca. Quando é um certo colega de ministério então…

Dizem que a bulimia de Guedes tem impacto direto nos resultados da bolsa nos últimos tempos e ameaça o Renda Cidadã, Renda Brasil ou qualquer projeto de verba social a partir de 2021. A baixa cotação das ações decepciona o pessoal da Faria Lima, que não come sapo de espécie alguma, ainda mais quando os animais estão enfraquecidos e isolados.

Paulo Guedes se alinha muito mais à Dilma no consumo de carnes alternativas. Ele entrou no criadouro de sapos, onde ela teve fim trágico no passado. Muitos governistas têm feito esforço enorme para que o ministro mude seu comportamento e incorpore definitivamente a exótica dieta política ao seu cotidiano, tentando evitar um final desastroso para a economia do país.

Em jantar na última segunda-feira, o ministro da Economia foi apresentado a uma nova modalidade de refeição para tentar superar sua repulsa. Consiste em engolir um sapo ao mesmo tempo em que o sapo o engole. Na mesa de Guedes estava o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um engolidor de sapos com experiência mas que, por vezes, costuma cuspir no prato o sapo e tudo o mais que o acompanha. Quando isso acontece, nos mercados dispara a cotação de omeprazol.

O cozinheiro da noite foi o senador Renan Calheiros, um experiente cozinheiro, devorador de sapos de vários tamanhos políticos, diferentes ideologias e espécies partidárias. Calheiros é um mestre nos temperos e sabe como poucos dourar o prato e servi-lo no tempo certo. Prato da boa lembrança: ele engoliu a derrota sofrida para Davi Alcolumbre pela presidência do Senado e patrocinada pelo governo de Bolsonaro. Ficou meses a digerir.

Há dúvidas sobre o resultado porque Maia e Guedes já tentaram se engolir antes. Até passaram das preliminares na degustação, mas não se digeriram até o final. Paulo Guedes deve ter um trilhão de razões para sempre prometer que, na próxima semana, tentará de novo. Tentar sempre é válido, mas, enquanto isso, a agenda que interessa ao país está parada no Congresso Nacional. E os mercados, empresários e trabalhadores continuam a ter dores estomacais sem fim.

Se não se engolirem, não haverá nada de reformas no horizonte. O fato é que, sem o Congresso, as mudanças tributárias não sairão de um projeto de boas intenções do governo. Nem uma lei do gás para dar combustível à economia andará. Na outra ponta, o parlamento também não consegue levar sozinho a pauta e concluir votação de matérias vitais para o futuro do país.

Essa procrastinação afasta investidores, desanima empreendedores, tira vitalidade de setores estratégicos e, num mundo globalizado, deixa o país cada vez mais distante dos líderes mundiais.

Reciprocidade é justamente o que o Brasil precisa entre políticos e agentes do governo. Claro que com objetividade e responsabilidade, tanto fiscal quanto política. O pedido mútuo de desculpas no meio do jantar foi um bom molho para Guedes e Maia tentarem se engolir. Tomara que isso facilite a digestão no longo prazo.

Em tempos de crise, é preciso exercitar ainda mais a arte de engolir sapos. Só assim, o Brasil corre risco de virar um príncipe no final da fábula da globalização.

*Analista Político da FSB

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