A Meta hoje é a marca por trás das maiores redes sociais do mundo (Yui Mok/PA/Getty Images)
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Publicado em 25 de julho de 2023 às 17h00.
Última atualização em 25 de julho de 2023 às 17h20.
Por Fabio Rodrigues*
Quem acompanhou o lançamento do Threads pela Meta — que hoje é, indiscutivelmente, a marca por trás das maiores redes sociais do mundo — sabe que ele foi cercado de expectativas, interesse e muita polêmica. Mas, dando um passo atrás e encarando a coisa toda de um ponto de vista de business, o que vimos foi uma empresa que, como qualquer outra, enxergou uma oportunidade e lançou um Minimum Viable Product, ou MVP, agitando o mercado e seus concorrentes, certo? Não é bem assim!
É preciso considerar que a Meta não é uma empresa como qualquer outra — e que seu fundador, Mark Zuckerberg, não é um fundador como qualquer outro! Afinal, ele faz parte de um seleto e extremamente pequeno grupo de empreendedores que podem se dar ao luxo de atropelar uma série de etapas e desafios estratégicos sem se preocupar com grandes consequências.
Mas se você, assim como eu, é um empreendedor que não tem um "orçamento infinito", ignorar a due diligence relacionada ao lançamento de um MVP pode colocar uma vida inteira de trabalho em risco! Com isso em mente, quero mostrar que esse lançamento carnavalesco da Meta pode ser uma fonte valiosa de aprendizado para Founders e C-Levels de startups em busca do sucesso!
Vamos explorar seis pilares analíticos fundamentais, que vão além do lançamento do produto, e entender como cada um desses prismas podem influenciar decisões estratégicas e impactar os resultados de uma startup.
O primeiro pilar analítico que merece atenção é o produto em si. Em um contexto de negócios, ele representa aquele ponto crucial para um lançamento bem-sucedido de uma startup. Na prática, até onde testei, o Threads parece cumprir o papel que lhe cabe: ser um copycat — termo muito usado no mercado para uma empresa que copia o produto da outra — do Twitter. Mas será que cabia, dentro do portfólio de soluções da Meta, um Twitter? Penso que a estratégia de construir um copycat de um produto já "envelhecido" seria um caminho interessante para que esse gigante da tecnologia aumentasse a rentabilidade da empresa — mas não acho que foi o que ocorreu com o Threads.
Analisando o próprio histórico da Meta em relação ao lançamentos de produtos, podemos perceber que os principais sucessos ficaram por conta da assimilação de funcionalidades inovadoras de concorrentes. Nesse contexto, SnapChat e TikTok são ótimos exemplos: suas principais ferramentas foram copiadas e implementadas nas plataformas da Meta, ajudando Zuckerberg a ganhar mercado ao apresentar componentes novos para suas redes.
Na minha visão, não é o caso para a empresa de Elon Musk. Em relação ao Twitter, o Threads parece não trazer inovações suficientes para se destacar do principal concorrente e, para CEOS e Founders que estão pensando em lançar um novo produto, a reflexão que fica é: será que seu MVP possui uma demanda real e diferenciais competitivos que justifiquem sua entrada no mercado?
O segundo pilar que vamos avaliar por aqui é o da receita, que também desempenha um papel importantíssimo no sucesso de qualquer empreendimento. Nesse quesito, a estratégia bolada pela Meta foi garantir que o Threads atuasse como um aplicativo "independente", mas atrelado diretamente ao Instagram — sua plataforma de maior sucesso hoje. Na minha avaliação, um plano arriscado e repleto de prós e contras, muitos dos quais se manifestaram só depois do lançamento.
Entre os prós, temos de reconhecer que a escolha foi fundamental para que o Threads chegasse aos 100 milhões de usuários apenas oito dias depois do seu lançamento, movimento suportado quase exclusivamente pela ampla e fiel base de usuários do Instagram. Como estratégia de escala, genial!
Mas nem tudo são flores. Algumas funcionalidades integradas causaram problemas na plataforma nativa, como as dificuldades e os obstáculos relacionados ao compartilhamento de Threads nos Stories, que gerou um rebuliço no Instagram nos primeiros dias. Além disso, passadas exatas duas semanas do lançamento, eles já enfrenta problemas na retenção de usuários ativos e no tempo de uso da plataforma, que caíram em 50% e 70%, respectivamente.
Nesse prisma, penso que os desafios da Meta, agora, envolvem a criação de novas fontes de receita de anúncios SEM canibalizar a receita do Instagram. E para o empreendedor, a reflexão que fica é que quando você estiver lançando seu MVP, vale a pena pensar em todos os detalhes e simular cenários para avaliar se a estratégia definida vale o esforço de implementação!
Analisando as lições que o lançamento do Threads pode dar para quem quer colocar seu próprio produto no mercado, não poderíamos deixar de pensar no usuário final. Sabemos que, hoje, as pessoas ficam conectadas, em média, 4 horas por dia — sim, estamos viciados. Na minha análise, isso indica que já passamos tempo demais online, e tenho minhas dúvidas se somos capazes de encaixar mais tempo — um recurso limitado e não escalável — para gastar em mais uma rede social.
Mesmo que o Threads tenha algum sucesso em aumentar o tempo médio total das pessoas em redes sociais, ainda me parece que não justificaria o lançamento de uma nova plataforma. Visto isso, temos a canibalização entrando em cena novamente, já que o Threads se propõe a ser um substituto direto não apenas do Twitter, mas de todos os outros apps e redes sociais que disputam essas 4 horas diárias de atenção do usuário — já ocupadas, em boa parte, pela própria Meta.
De um ponto de vista estratégico, acredito que a ideia de que o Threads irá sequestrar o tempo de uso do Twitter é ingênua — mas só o tempo trará uma resposta realmente consistente. Já pela ótica de um fundador de startup — especialmente as que operam no modelo SaaS —, vemos que é sempre importante levar em conta o engajamento do usuário final e pensar se ele realmente tem a necessidade e o tempo para usar a ferramenta que você quer colocar na mão dele.
Aqui, não tem muito mistério: o (temido) mercado traz importantes lições sobre o timing do lançamento de um MVP. Entendo que, como detentor de boa parte das redes sociais do mundo livre, Zuckerberg enxergou um momento de "fragilidade" no Twitter com a chegada recente de seu novo e barulhento líder. Com a comunidade lutando para se adaptar ao novo perfil de comando do Twitter, talvez não haveria oportunidade melhor para tirar o copycat da gaveta e utilizar sua base de mais de 2 bilhões de usuários para dar tração ao Threads.
O perigo disso? Para Zuckerberg, pouco.
Na pior hipótese, ele poderia errar o JTBD (job to be done) ou cometer equívocos na fase de Product Discovery, fazendo com que seu recém-lançado MVP se transformasse em uma falha colossal. Mas, no meu entendimento, um MVP não é algo que deve ser impulsionado a níveis de escala de qualquer forma, mesmo para uma empresa como a Meta. O problema é que, para um empreendedor tech-padrão, cheio de restrições orçamentárias, a coisa toda muda de figura. Em situações assim, não se pode, de maneira nenhuma, seguir o "by the book" de lançamento de produtos.
É preciso testar, reduzir o público e os investimentos, avaliar a aderência e antecipar todos os impactos de seu produto para, só então, traçar planos de escala.O quinto pilar que vamos avaliar é o do diferencial/inovação. Veja bem: o Threads, apesar de contar com planos para incorporar funcionalidades interessantes no futuro, foi inicialmente rotulado como o "Twitter do Facebook", já que contava com um feed muito parecido com o da rede social moribunda, mas cheia de fiéis usuários.
Penso que, nesse sentido, o principal tropeço da Meta na estratégia de lançamento do Threads foi não trazer, logo de cara, diferenciais competitivos claros em relação ao Twitter ainda nas primeiras horas de sua implementação.
No mundo cada vez mais imediatista e de hiperinformação em que vivemos, é fácil perceber o que aconteceu: a Meta deixou a bola quicando, e quem tomou as rédeas foi o público-alvo, que tratou de apelidar a nova rede social e assumiu para si o papel de testar, rotular, promover e até mesmo crucificar a plataforma — e alguns reflexos já estão aparecendo, visto que o Google Trends aponta uma queda vertiginosa do interesse das pessoas pelo Threads.
Por isso, se você vai colocar o seu produto no mercado, vale tomar cuidado com as doses homeopáticas de upgrades e atualizações e, principalmente, com as promessas que você faz. Como o lançamento do Threads nos prova, manter seu público no suspense nem sempre traz o melhor dos resultados.
Por fim, o pilar capital nos traz reflexões sobre responsabilidade financeira. Dado todos os pontos analíticos que vimos até aqui, me parece que tudo se junta a um fato importantíssimo — e amplamente explorado pela literatura econômica —, que é a restrição orçamentária e seu reflexo no comportamento das empresas
Uma marca do porte da Meta, com acesso quase irrestrito ao dinheiro, permite que esse desprendimento ao capital molde o seu comportamento e suas estratégias.
Basta vermos a imprudência de vários lançamentos recentes da empresa, como o Oculus Quest e as empreitadas de Zuckerberg no Metaverso, que deixaram algumas manchas em sua reputação. Isso prova que as big techs ainda não sofrem a penalização pelos seus erros estratégicos grotescos e a gastança em demasia de capital.
É só lembrarmos das recentes ondas de contratações em larga escala de pessoas sem função — com seus fake jobs — seguidas, quase imediatamente, pelas demissões em massa. Não podemos esquecer que, historicamente, o capital costuma não aceitar desaforos no longo prazo — especialmente se você não é um multimilionário.
Na minha visão, o movimento da Meta com o Threads foi mais irresponsável que o normal, mesmo o mercado de capitais ainda sinalizar que acredita no potencial de monetização da Meta em cima do Threads. Em linha com o "aceitável" de anos atrás, sim, mas incompatível com o momento econômico atual — e o empreendedor comum, como eu e você, jamais pode seguir os mesmos passos.
Em resumo, o lançamento do Threads pela Meta nos proporciona uma oportunidade valiosa de aprendizado. Ao analisar cada pilar estratégico, podemos evitar erros comuns, tomar decisões mais fundamentadas e impulsionar o crescimento sustentável de nossas startups.
O caminho do empreendedorismo é desafiador, mas com uma abordagem criteriosa, inovação estratégica e responsabilidade financeira, podemos traçar um caminho de sucesso para nossos negócios em um mercado competitivo e em constante evolução.
E, claro, espero que a análise desses 6 pilares tenha também uma serventia para você que, hoje, está pensando em como lançar o seu MVP no mercado e quer uma boa ideia do que não fazer!
*Fabio Rodrigues é Cofundador e CEO da Novida
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