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Zeina Latif: Estado tem de criar condições para inovação, mas não planejar tudo

À frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico em SP, Latif elogia Garcia e diz que estado quer trabalhar com os municípios, mas não "planejar tudo"

Latif: prioridade da secretaria na reta final é lançar as bases para ampliação do ensino técnico (XP/Divulgação)

Latif: prioridade da secretaria na reta final é lançar as bases para ampliação do ensino técnico (XP/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 3 de setembro de 2022 às 08h30.

À frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Paulo há quatro meses, a economista Zeina Latif se prepara para a reta final à frente da pasta — ao menos, a depender do resultado das eleições de outubro, quando o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que a convidou para a função, disputa a reeleição.

No breve período restante, ela aponta que pretende “deixar a casa arrumada como encontrou” e focar em executar políticas já planejadas. Na lista de projetos que a secretaria pretende atacar, a ampliação do ensino médio junto ao técnico (de menos de 40 mil para mais de 200 mil vagas nos próximos anos) virou uma das obsessões. “A tecnologia expulsou as pessoas do mercado de trabalho, e a pandemia tornou essa questão urgente”, diz.

À EXAME, Latif respondeu a críticas da oposição sobre a perda de indústrias paulistas nos últimos anos e a leitura de que São Paulo pode estar perdendo o bonde da nova era tecnológica, e concordou que o governo deve criar condições para a inovação no setor privado. Mas disse ter ressalvas para afirmar como deve ser a São Paulo do futuro: “Não seria, na minha visão, produtivo a gente chegar e falar que nós temos aqui estratégias de longo prazo, que vamos definir para onde achamos que tem de ir.”

A secretária também tece elogios a Garcia, que afirma ter uma visão “oxigenada” dos desafios paulistas. Veja abaixo os principais trechos da entrevista. 


O que dá para fazer nestes meses que restam de mandato do governador Rodrigo Garcia? Quais são as prioridades?

A secretaria tem um grande leque, vários temas associados ao que a gente lida aqui. Não estamos em um momento de poder começar política pública nova, é muito mais um momento de executar, da melhor forma possível, aquilo que estava sendo planejado. Temos uma missão aqui de realmente contribuir para melhorar a qualidade da ação estatal — e tanto faz qual vai ser o resultado eleitoral. Muitas iniciativas na minha visão merecem ganhar mais escopo, enquanto tem outras que percebemos que precisam de ajustes.

Pode dar um exemplo?

Temos políticas ligadas a empreendedorismo em um país que não tem a cultura exatamente do empreendedorismo muito sólida. O Brasil tem um ciclo econômico super acidentado. As pessoas têm medo de empreender porque não têm visibilidade do ciclo macroeconômico, mesmo nesse empreendedorismo que a gente chama de 'por necessidade'. Vou pegar um empréstimo e sabe-se lá se o país vai crescer. Em um intervalo de pouco mais de dez anos foram três recessões.

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Então, não é que eu vou chegar e criar uma linha de microcrédito e achar que está feita a política pública. Temos de estar o tempo todo verificando se atingiu o objetivo. Essa é uma dupla missão que temos nesses meses, executar da melhor forma e pensar o futuro, qualquer que seja.

E qual seria uma política que a senhora diria que deve ganhar "mais escopo", como disse, seja nessa gestão ou nas próximas?

Temos o NovoTEC, agora MedioTEC, que tem espaço para aprimorar, mas já se mostra muito bem-sucedida. Primeiro por causa da trilha do ensino médio [o novo ensino médio sugere o ensino técnico como uma das opções aos alunos, idealmente]. E também por convicção nossa. Tenho certeza que é uma agenda que vai caminhar, ao preparar as pessoas para o novo mercado de trabalho. O avanço da tecnologia na pandemia aumentou ainda mais essa exigência.

No modelo, o primeiro ano é regular, e no final do primeiro ano o aluno escolhe se vai fazer técnico integrado no segundo e terceiro ano. Nossas metas para os próximos anos são ambiciosas. A intenção é em 2026 chegar a mais de 200 mil alunos no 2º ano e mais de 300 mil no 3º ano.

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Há vagas para tudo isso? Uma vez que o Centro Paula Souza é hoje de excelência, mas não tem capacidade para atender a todos os alunos com o recurso atual.

A gente sabe que não vai dar para manter no atual modelo [só com o Centro Paula Souza], vamos ter que contratar vagas no sistema S, até em universidades. Mas esses números não vieram do nada, foram fruto de pesquisa. Nosso objetivo é: todo jovem que quiser ter essa dupla diplomação, não faltar vaga.

Curso técnico; Mecatrônica; Ensino Público Médio; Etec;

Curso técnico em ETEC de São Paulo: Latif diz que estado tem capacidade para superar 200 mil vagas no ensino técnico (Germano Lüders/Exame)

Em evento recente, o candidato a governador pela oposição e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse que os governos paulistas falham em fazer a ponte entre as universidades do estado e o setor privado. A senhora concorda? O que poderia melhorar?

Primeiro que as universidades têm autonomia. O que temos tentando fazer é estreitar esse relacionamento, criar um comitê consultivo do ensino superior, com participantes do setor privado, setor público e reitores para poder discutir. A decisão de se aproximar é das universidades, o que não impede esse amplo diálogo, que estamos institucionalizando. E seria injusto não reconhecer o que já tem sido feito pelas nossas universidades. Temos experiências de sucesso aqui. E claro que precisamos aprofundar.

E tem ainda a Univesp [Universidade Virtual do Estado de São Paulo], que eu faço parte do comitê. Tem um trabalho magnífico sendo feito ali nos últimos anos, de expansão do número de vagas, de buscar carreiras que de fato sejam demandadas pelo setor privado. Estamos buscando desenhar formas para nossas universidades ajudarem na requalificação, treinamento e formação continuada dos professores, por exemplo.

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São Paulo historicamente se posiciona como vanguarda em muitos setores, do agro à indústria, mas hoje temos um Brasil em crise e um cenário global mudando muito. Qual papel o poder público deverá ter nessa construção do futuro de SP?

Não seria, na minha visão, produtivo a gente chegar e falar que nós temos aqui estratégias de longo prazo, que vamos definir para onde achamos que tem de ir. Como vamos saber as novas tendências tecnológicas, como vamos saber que é determinada coisa e não outra? É muito importante, na minha opinião, entender alguns limites do planejamento. Agora, no que eu acredito: na aproximação com o setor privado e no ambiente de negócios saudável que permita ao setor privado florescer. O Estado entrar onde temos realmente um papel e capacidade de gerar esse estímulo. Por exemplo, a questão de treinamento de mão de obra, de ajudar os grupos mais vulneráveis em sua empregabilidade, os que precisam de um empurrão.

Mas há críticas sobre São Paulo estar perdendo indústrias, por exemplo. Qual vocação econômica a senhora enxerga para o Estado?

Temos uma economia diversificada no estado e isso tem de ser valorizado. É um estado rico, com muitas diferenças regionais. Essa ideia de entender as vocações é uma coisa que o Rodrigo [Garcia], inclusive, faz muito bem, que é essa raiz municipalista dele. Nossa intenção é cada vez mais ter informações regionais para permitir maior planejamento de ações, entender "olha, tal região tem essas demandas". Queremos aprofundar a capacidade de planejamento regional e a secretaria aqui tem muito a fazer nesse aspecto em trabalho com as secretarias locais.

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E ter serviços mais sofisticados também é uma vocação natural de São Paulo. Estamos falando de um estado com grande investimento em ciência, tecnologia, isso é relevante. Nós queremos trazer a Faria Lima para o mundo da inovação. Como podemos criar um ambiente em que investidores comecem a olhar outros focos? Temos aqui universidades, grandes institutos de pesquisa fazendo pesquisa de ponta, temos vantagens comparativas. Mas precisamos fazer essa ponte maior. Tanto o mercado financeiro enxergar alternativas de investimento, quanto nós conseguirmos ter essa difusão da inovação — e fazer isso beneficiar inclusive as pequenas e médias empresas, que por vezes não têm na inovação uma estratégia para aumentar sua competitividade.

Mas São Paulo tem de ter indústria de 5G, tem de ter mais desenvolvimento de ponta?

Lembrando que inovação é uma decisão econômica da empresa. O Estado tem que estimular? É muito mais complexa essa situação. Nós temos o Desenvolve SP, por exemplo. Mas não é que se cria uma linha de inovação e vai para casa, missão cumprida. Cabe a nós criar um ambiente regulatório, condições para aumentar essa inovação e para ganhos de produtividade.

Tanto na gestão Garcia quanto na próxima que poderá vir: qual é o principal desafio de São Paulo no desenvolvimento econômico?

Temos um mundo mais complexo, com grandes oportunidades e grandes desafios. Desculpe a frase chavão, mas é isso mesmo. Depois de uma década de crescimento e redução de pobreza, tivemos nova recessão. A pobreza no estado tem aumentado. No Brasil todo, mas também no estado de São Paulo. Isso significa que temos de ter políticas públicas com esse olhar.

Rodrigo Garcia: governador de SP busca reeleição em outubro contra Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) (Estado de São Paulo/Flickr)

Tem uma parte nossa, nessa questão de empregabilidade, com a tecnologia expulsando as pessoas do mercado de trabalho. Temos de estimular o empreendedorismo, mas de forma muito mais sofisticada do que só criar uma linha [de crédito]. O aumento da pobreza é um trabalho que exige política pública em várias frentes. A economia do estado de SP voltou mais rápido do que no resto do país, mas a gente percebe que é de forma ainda muito desigual. Os mais pobres estão muito penalizados pelo desemprego e queda na renda, e a inflação cobra um preço maior.

Outro desafio é a questão ambiental, e aí há uma oportunidade muito grande. Se temos um mundo corporativo mais preocupado com ESG, o que nós como estado podemos fazer é atrair investimento das empresas e fortalecer políticas. Quanto mais próximos do setor privado estamos, mais fácil calibrar nossas ações em ciência, tecnologia. Aproveitando, digamos assim, os 'ventos ESG'.

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E um terceiro ponto é que estamos falando de talvez uma nova ordem global. Não se trata de dizer que a globalização está condenada, mas os países estão procurando diversificar com o ambiente mais arriscado, buscando novas fontes de suprimento de matéria-prima. A missão do governo do estado é posicionar São Paulo para se beneficiar disso, e temos condições. Não tem business as usual. É preparar o estado para essa nova realidade.

Com o mandato atual chegando ao fim, a senhora tem planos para o futuro? Ficará no setor público ou voltará ao setor privado?

Não paro muito para pensar nisso. Vim para o governo em um momento na minha carreira em que fazia sentido o convite feito pelo governador. Percebo nele uma vontade muito grande de incorporar novas visões, sempre oxigenando, e vim por causa disso. Mas o futuro a Deus pertence. Vou procurar fazer aqui minha missão e, assim como peguei uma casa arrumada, deixar uma casa arrumada para quem quer que seja.

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