WINTER: "A História já nos mostrou que a economia, a longo prazo, acaba sendo afetada por conta das violações de direitos civis" (Divulgação/Divulgação)
Carolina Pulice
Publicado em 30 de outubro de 2018 às 19h41.
Última atualização em 30 de outubro de 2018 às 20h06.
A campanha de Jair Bolsonaro, presidente eleito, foi marcada por retorno em pontos importantes. Em menos de uma semana, sua campanha prometeu sair do acordo de Paris, depois voltou atrás. Prometeu fundir o Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente, voltou a atrás, e anunciou a fusão nesta terça. A incoerência dos discursos, somada ao histórico de falas perigosas (como as homenagens ao Coronel Brilhante Ustra, condenado por crimes de tortura durante a ditadura militar) faz de Jair Bolsonaro uma grande questão para o futuro do país.
Esta é a opinião de Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quarterly e vice-presidente de política da Americas Society/Council of Americas. Autor de best-sellers e colunista, Winter é um dos principais especialistas sobre a América Latina nos Estados Unidos, colaborador frequente da mídia e palestrante em eventos internacionais. Por mais de dois anos, ele entrevistou membros de confiança da campanha de Bolsonaro.
"Espero estar errado, mas até agora ele não demonstrou evolução", afirma. O editor acredita que Bolsonaro se aproximará do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que possui discursos e projeto político semelhantes em alguns pontos,como o protecionismo e o nacionalismo.
Bolsonaro fará um bom governo?
Essa pergunta é difícil. Do lado econômico, acho que ele fará um bom mandato, porque o Brasil precisa de uma injeção de sanidade fiscal. E ele vai fazer isso com sua equipe econômica. Mas a pergunta aqui é: a qual custo? Essas mudanças podem ser feitas com o custo da violação das instituições, com a violação dos direitos civis.
E é possível separar esses dois aspectos?
A História já nos mostrou que a economia, a longo prazo, acaba sendo afetada por conta das violações de direitos civis. Governos autoritários prejudicam a economia. Vejam a experiência da Argentina, que tentou implementar um projeto liberal durante as décadas de 70 e 80, em que o país vivia uma ditadura. Os projetos não conseguiram vingar por conta da forte repressão, e com isso os argentinos veem até hoje o liberalismo como algo terrível. O liberalismo é associado a algo ruim por conta dos abusos do governo.
Bolsonaro pode estar iniciando um projeto maior? Ele poderá ter chance de conseguir uma reeleição, de fazer um sucessor?
A questão se Bolsonaro vai ser bem-sucedido ou não depende de sua evolução como pessoa. Ao longo de sua vida política, ele passou sua carreira contra a democracia e contra os direitos de minorias, e em favor de trazer de volta a ditadura ao Brasil. Com a eleição, ele disse que evoluiu. E às vezes as pessoas evoluem. Um exemplo é o próprio Lula. Se você olhasse em 2002 seus discursos, nunca imaginaria que ele governaria como um líder com responsabilidade fiscal. E ele fez. Mas lula perdeu três eleições e aprendeu do jeito difícil que ele precisava evoluir. O exemplo mais simbólico foi sua carta ao povo brasileiro, que deu mais confiança à população, e fez com que ele ganhasse. Vimos alguma evolução. Eu não vi nenhuma evidência de uma evolução similar em Bolsonaro. E por isso eu tenho advertido sobre o risco de ele danificar a democracia, e de que suas políticas em segurança matem muita gente inocente. Pessoas próximas de Bolsonaro têm escrito para me dizer que estou errado. E eu respondo: espero que eu esteja. Serei o primeiro a admitir se estiver. Um país com o Brasil precisa ser um governador para todo mundo. Mas tenho minhas dúvidas. O sucesso nos próximos quatro anos depende da resposta à seguinte pergunta: ele evoluiu?
O presidente Trump congratulou Bolsonaro, e afirmou a vontade de “trabalharem juntos”. Podemos dizer que, por conta de suas semelhanças políticas, as relações entre Estados Unidos e Brasil vão melhorar?
Eu acho que Trump vai abraçar o mais apertado possível a relação com Bolsonaro, e que isso será benéfico no curto prazo para os países. Isso porque não há muitos líderes que adoram publicamente Trump como Bolsonaro adora. E isso pode significar que Bolsonaro estará ao seu lado nas “batalhas” contra a China, Cuba, Venezuela. Apesar disso, o problema é que se Bolsonaro começar a violar direitos humanos ou desrespeitar as instituições, ele poderá ser mal visto e pode perder a confiança de Trump no médio prazo. Já tem gente em Washington alertando a Casa Branca sobre essa possibilidade. Essas pessoas estão sendo ignoradas porque a tentação de Trump se unir a Bolsonaro ainda é grande.
O jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria em que diz que o governo da Colômbia cogita uma intervenção militar na Venezuela. O governo colombiano desmentiu a informação. O senhor acha que isso é possível?
Eu não acredito nesta história. Talvez seja verdade que alguns membros do governo cogitaram essa ação, mas não todo o governo colombiano. Claro que há uma possibilidade de intervenção militar na Venezuela. Trump levantou esse assunto num jantar com líderes latino-americanos há um ano. Além dele, o senador Marco Rubio veio com esse assunto há dois meses e disse que ele tem um argumento forte para isso. Mas não acho que seja provável. Mas, claro, não podemos descartar a possibilidade tendo Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e a Colômbia sendo um dos países mais afetados pela crise na Venezuela.
Qual o risco de o Brasil tomar decisões radicais como a saída do Acordo de Paris ou da ONU?
O governo dos Estados Unidos falou em deixar a Agência de Direitos Humanos da ONU. Essa mudança faz parte de uma linha de pensamento da administração de Trump. Eu acho que no Brasil haverá uma preferência em acordos bilaterais, de preferência com o governo dos Estados Unidos. Paulo Guedes já disse que Mercosul não é uma prioridade. Então acho que haverá um distanciamento com os países do Sul e seus acordos (Unasul, Brics). Qualquer acordo associado com os países em desenvolvimento será diminuído, e só haverá aproximação com países ocidentais. Essa mudança diplomática não é diferente da vista no governo FHC.
E a relação com a China?
Essa relação é onde a ideologia pode colidir com a realidade. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. A falta de confiança com a China foi repetida várias vezes por pessoas do mundo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, companhias que dependem dos investimentos chineses estão operando por trás das cortinas para suavizar a relação, porque o Brasil é dependente dos investimentos chineses. Essa será uma interessante relação para se olhar.
Considerando seu discurso de domingo (em que Bolsonaro agradece a Deus todas as conquistas e seu governo), podemos dizer que a religião será um tópico importante em seu governo?
Parte essencial de seu apelo é a religião, e como ele vai colocá-la no centro de seu discurso. Nos Estados Unidos temos uma tradição de presidentes falando sobre sua fé no momento que tomam decisões. Eu sei que no Brasil, que vive uma democracia jovem e laica pode soar estranho, mas nos Estados Unidos não é tão incomum. Com um país católico, é assim que os presidentes são eleitos, sendo realmente religiosos ou não.
Qual o risco de políticas públicas taxadas nos últimos anos como "de esquerda"?
Algumas políticas podem até mudar de nome, mas serão mantidas, porque suas existências são fundamentais. O Bolsa Família, por exemplo, é a política mais simbólica do PT, e ele não mexerá nela. Ele vai criticar publicamente o legado do PT, mas eu acredito que o PT não foi tão radical como Bolsonaro acredita. Então quando seu governo começar a olhar para os legados que precisam ser “eliminados” não haverão muitos. Na educação, por exemplo, falar em doutrinação política na escola é exagerado. Eu entendo que, para Bolsonaro, é fundamental falar sobre “apagar o legado petista”, mas na prática ele não fará isso.