Deputada Bia Kicis, no plenário da Câmara (Pablo Valadares/Agência Câmara)
Alessandra Azevedo
Publicado em 31 de maio de 2021 às 09h00.
Satisfeita com a aprovação da reforma administrativa na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a presidente do colegiado, deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma das parlamentares mais alinhadas ao governo Bolsonaro no Congresso, aponta à Exame as prioridades do mandato no momento — entre elas, descriminalização do ensino domiciliar e implementação do voto impresso.
O primeiro projeto está na CCJ e deve ser pautado na segunda-feira, 31, mesmo diante das inevitáveis polêmicas a respeito da regulamentação do tema. Já a PEC do voto impresso, de autoria da deputada, já passou pelo colegiado presidido por ela e agora está na comissão especial que debate o tema. "Não é uma pauta bolsonarista, é uma pauta de quem defende transparência", diz.
Veja os principais trechos da entrevista:
A reforma administrativa passou na CCJ na semana passada, mas demorou um pouco mais do que o esperado, não foi?
Demorou um pouquinho, mas exatamente para passar, para não ter erro. Foi bom porque a gente abriu o debate, permitiu que representantes das categorias fossem lá e expusessem suas angústias. Houve três alterações muito corretas, que agradaram a todos. Havia um exagero na questão do art 84, que dava ao chefe do Executivo direito de extinguir autarquias. Aquilo foi retirado.
A senhora defende essa mudança?
Sim. Tudo o que foi feito ali com o relator foi feito de acordo com a gente.
E a oposição também?
A oposição concordou, achou ótimo. Também tinha um artigo que, de cara, achei que tinha exagero: a proibição de que o servidor de carreira pudesse auferir renda por outro tipo de trabalho. O deputado Enrico [Misasi, do PV] trouxe a questão dos princípios, que achou que eram muito abertos e levariam ao aumento do ativismo judicial. Houve uma conversa.
Esse tempo a mais até votar foi para ter esse tipo de conversa, não porque teve obstrução?
Claro que teve... Na verdade, eles não ganharam nada com a obstrução, porque eu já coloquei logo oito sessões. A gente ofereceu para eles o palanque que eles queriam, verdade seja dita. Eu sabia que a gente ia ganhar na CCJ. Não tinha a menor dúvida. Eu podia tratorar a oposição ou eu podia dar para eles um pouco de palanque, para eles se acalmarem, porque para eles foi uma derrota muito grande. Resolvi fazer isso.
A senhora acha que na comissão especial ainda muda alguma coisa?
Com certeza, muda. Podem entrar outras carreiras. Tem vários parlamentares que querem que Ministério Público, magistratura entrem. Outros não querem. Outros querem tirar alguns, como defensores públicos, AGU. Tem a questão das carreiras da segurança pública, que querem alguma melhoria ali, que algumas coisas não os atinjam. O que vai acontecer eu não sei, até porque não vou fazer parte dessa comissão.
O que não deve ser negociável, na sua opinião?
É muito importante saber que essa reforma não mexe com nenhum direito adquirido. Porque, se mexesse, na CCJ a gente ia corrigir. Fui servidora a vida inteira e escolhi um relator que é um cara favorável à reforma, mas que não demoniza o servidor público. Para mim, a segurança jurídica era inegociável. Uma coisa que eu acho que não é negociável também é a questão da avaliação de desempenho. Servidor público ineficiente tem que ir para a rua.
Mas já existe avaliação de desempenho. O problema é que não funciona na prática?
Não vale para nada. É uma avaliação para inglês ver, e digo porque fui até corregedora durante dois mandatos. Sei que essas avaliações não servem para nada. Todo mundo quer ser bonzinho, o chefe quer ser bonzinho, taca lá “10” para todo mundo. Agora, não vai mais ser assim, porque tem consequência. Se o servidor é bom, inclusive, ele pode ser premiado. E se é ruim, pode ser demitido.
É um assunto que não vai dar para fugir na comissão especial?
Acho que não dá para abrir mão dessa questão, porque é o que vai fazer a diferença. Outra coisa: carreira de Estado, ok, tem que continuar tendo estabilidade, porque, se vou dar um parecer contra um gestor público, não posso ficar sujeito a ele me demitir. Para quem é carreira de Estado, isso não é privilégio, isso é prerrogativa. Agora, para quem não exercer função típica de Estado, não tem porque ter estabilidade. Hoje você precisa de vários ascensoristas, amanhã não precisa mais. Isso tudo vai mudando. Tem que permitir que a máquina também se modernize. Tem muitas carreiras obsoletas.
Alguns pontos da reforma vão precisar de regulamentação por lei. Se não fizer essa lei, perde tudo?
Vai fazer. Fica para lei complementar para jogar mais para a frente o problema maior, a resistência, para poder fazer logo a reforma. E, segundo, para dar mais flexibilidade. No dia que precisar mexer, pode mexer com lei complementar, que é mais simples [que mudar a Constituição].
Agora que passou a reforma administrativa, quais são as prioridades da CCJ?
A gente tem muito projeto para tocar. Muitos vão ajudar na economia, na liberdade econômica, a desonerar o contribuinte, a dar mais eficiência para os serviços. A gente acabou de aprovar um que permite às cooperativas oferecerem serviço de telecomunicação. Ainda estamos no ‘maio laranja’ e precisamos sinalizar que queremos combater a violência contra crianças. Tem um projeto de minha autoria, da Carla Zambelli e do Eduardo Bolsonaro que aumenta pena de abusadores e homicidas de crianças para 50 anos, e espero que seja votado segunda-feira. Outra pauta importantíssima é a que altera o artigo 246 do Código Penal, para incluir que ensino domiciliar não é crime.
Essa é mais polêmica, tem resistência...
O Supremo já disse que ensino domiciliar não é ilegal, muito menos crime, só que diz que o Congresso tem que regulamentar. Existem projetos para isso e vai ter um amplo debate. Isso, sim, vai ser polêmico. Encontrar um texto que regulamente sem engessar essas famílias, sem que elas tenham que ficar ligadas ao MEC. O Estado tem que fiscalizar, até para detectar se não está havendo crime de abandono intelectual. Isso vai ser discutido nessa esfera da regulamentação. O que a gente está fazendo na CCJ é buscando proteger as famílias que hoje fazem homeschooling e são perseguidas, punidas por agentes de Estado.
Mas não há um receio em garantir que não é crime, mas não ter a regulamentação para deixar claro o que pode e o que não pode?
É o conselho tutelar que já fiscaliza. Se a criança não está matriculada, vai lá e fiscaliza. Conversa com a criança, com os pais, vê o que ela está fazendo.
Como anda o projeto da urna com voto impresso, que não está na CCJ, mas já passou por lá? Quais são as expectativas?
Essa é a menina dos meus olhos. Está andando bem. Precisa desse diálogo, inclusive com o TSE. Não queremos que fique um antagonismo. Eles tem que vir junto. São os prestadores do serviço. O deputado Paulo Eduardo, presidente da comissão, já esteve com o [presidente do TSE, Luís Roberto] Barroso. O relator, Filipe Barros, também já abriu esse diálogo. Convidamos Barroso para vir e parece que virá. Fico muito feliz com isso.
Ele respondeu? Sinalizou que vai?
Sim. Ele conversou com o Paulo Eduardo, presidente da comissão. E o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) estava junto. A gente está fazendo um trabalho que é suprapartidário. Embora muitas pessoas insistam em ficar dizendo que é pauta de bolsonarista, de Bolsonaro, não é. Ou é também. Mas é uma pauta de todo mundo que quer transparência eleitoral. O problema é que a nossa urna é de primeira geração e queremos passar para uma mais avançada, de segunda geração.
Existe ainda muita resistência por parte da oposição, de ter o papel registrando o voto...
O voto não é identificado. As críticas são de quem não tem argumento, de quem desconhece completamente o processo. A desinformação é tão grande que tem gente dizendo que isso seria retrocesso, que seria a volta da velha cédula de papel.
E quanto ao custo para colocar os equipamentos novos?
Quanto será que custa uma impressorinha? Vai num supermercado, o mais furreca que tem, no caixa tem uma maquininha com impressorinha. Isso é argumento para quem simplesmente não quer transparência eleitoral. Vamos dizer que a história de que custaria R$ 2 bilhões -- não é real, mas que fosse -- no país do Orçamento do Brasil, que gasta bilhões com fundo partidário, R$ 2 bilhões para garantir transparência nas eleições seria muito? Eu acho que não.
Imprimir o voto resolve? É sempre certeiro?
Qualquer que seja o sistema eleitoral permite fraudes. No papelzinho tem fraude, no computador, no celular, na urna, com voto impresso ou sem, pode ter fraude. A diferença é que, no sistema atual, se houver, não tem como provar. É o crime perfeito.
O deputado Marcelo Freixo entrou com representação no TCU para investigar os seus gastos com essa questão do voto impresso. Isso te preocupa?
Não me preocupa nem um pouco. Sou a favor da transparência. É uma causa desde muito antes de eu ser deputada.
Ele falou de gastos parlamentares para difundir essa ideia...
Tem que rir, né? Eu faço uma campanha nacional que, em poucas semanas, conseguiu 500 mil adeptos. Em 15 de maio foram às ruas, pediram voto impresso auditável. Campanha de sucesso absoluto, por isso que estão me atacando. Se fosse pífia, ninguém estaria nem ligando. Sabe quanto gastei com essa campanha? R$ 2 mil por mês, porque a empresa que está fazendo para mim é de uma pessoa patriota, está fazendo para cobrir os custos. Tenho direito a fazer isso porque é divulgação do meu mandato. Sou autora da PEC. Marcelo Freixo deve estar comendo os cotovelos de inveja, porque ele deve gastar muito mais e não tem uma campanha de sucesso.
Passar uma reforma administrativa pode atrapalhar passar uma reforma tributária? Criar resistência a outra reforma?
Não. Acho que a reforma administrativa é importante para você poder fazer uma reforma tributária até com diminuição de carga. Daqui a um tempo, é claro, porque até a reforma administrativa render os frutos necessários para impactar o Tesouro demora um pouco. Como a gente está em ano pré-eleitoral, acho que a reforma tributária é mais palatável do que a administrativa. Mas acredito que a administrativa acabe passando, porque é uma reforma que não mexe com direitos adquiridos e, na comissão especial, ainda pode ser trabalhada para ficar mais palatável.
O que tem achado da CPI da Covid, no Senado? Tem acompanhado?
Acompanho quando dá tempo, vejo vídeos. É uma vergonha, é um palanque eleitoral. Começou errado, porque começou com determinação de ministro do Supremo, sendo que o presidente do Senado deixava claro que não era momento pra isso. Lamento muito que esteja acontecendo. Estive pessoalmente no depoimento da doutora Mayra Pinheiro, e ela deu um show.
Ali, a gente percebe que tem senadores que querem cavar uma falta, encontrar uma contradição, dizer que vai colocar checadores para dizer o que é verdade e o que é mentira. Eu sei, quando eu falo, se estou falando verdade ou mentira. Não dou autoridade a ninguém para me dizer se o que falei é verdade ou mentira, muito menos para checadores de fato, que não checam fatos, simplesmente julgam opiniões.
Mas checador de fato só pode checar o fato mesmo, não é?
Mas para isso você tem que ser minimamente honesto, intelectualmente isento e dizer ‘aqui é fato, aqui é minha opinião’. Quando eles não concordam, dizem ‘esse fato é falso, isso é fake news’. É um absurdo o que o senador Renan [Calheiros, relator da CPI] propagou que vai fazer.