Escola Sem Partido: o texto entrou em discussão apesar de não estar na pauta da Câmara nesta tarde (Getty/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de dezembro de 2017 às 20h45.
Com guardas civis, equipados com escudos e capacetes, dividindo as galerias do plenário da Câmara Municipal, vereadores de São Paulo colocaram em discussão na tarde desta quinta-feira, 7, o projeto que institui a Escola Sem Partido na rede municipal de educação da cidade, após lideranças da Casa passarem a manhã sendo alvo de postagens de grupos favoráveis à medida, especialmente o Movimento Brasil Livre (MBL). Entre tumultos e ameaças de esvaziamento do auditório, o projeto teve a votação suspensa depois de ação dos vereadores da Comissão de Educação da Câmara, que não deram quórum para a discussão prosseguir.
Foi a primeira vez neste ano em que foi necessário o uso da "Tropa de Choque" (a Inspetoria de Operações Especiais) da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na Câmara Municipal, segundo a presidência da Casa. Os guardas e seus escudos dividiram o plenário, ocupado no lado esquerdo por ativistas da União da Juventude Socialista e pelo MBL e o Direita São Paulo no lado direito.
A Escola Sem Partido é um projeto dos vereadores Eduardo Tuma (PSDB) e Fernando Holiday (DEM), membro do MBL. O texto prevê que o professor de sala de aula "deverá abster-se de introduzir, em disciplina obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais", entre outros quatro deveres. Ele conta com assinatura de outros 15 parlamentares.
O texto entrou em discussão apesar de não estar na pauta da Câmara nesta tarde - havia 194 projetos de vereadores e do Executivo. Nesta semana, após a votação do projeto de privatização do Anhembi, os parlamentares haviam programado votar projetos de vereadores.
Mesmo assim, pelas redes sociais, desde a noite desta quarta-feira, 6, Holiday e o MBL vinham convocando seus militantes para participar da votação nesta quinta. Chegaram a compartilhar fotos do presidente da Câmara, Milton Leite (DEM), do mesmo partido de Holiday, chamando-o de "presidente covarde" e pedindo "pressão nele".
Da mesma forma, grupos de esquerda passaram a convocar militares para também ir na Câmara, se manifestar contra a proposta - a metade que eles ocuparam ficou lotada mais cedo. Antes de o plenário abrir, os dois grupos trocaram provocações: buscavam "entrevistar" os adversários, com celulares nas mãos, para postar vídeos nas redes sociais. Até as 18h30, não havia ocorrido nenhuma troca de agressões.
"Lá (onde estudo) é um cursinho pago, pago para estudar lá e sou humilhada pelo meu professor que fala que todo mundo que vota no (Jair) Bolsonaro é um filho da p...", disse a estudante Tamires de Paula, de 22 anos, com camiseta do deputado federal fluminense do PSC. "Esses caras estão falando que é lei da mordaça? Lei da mordaça é o c...", afirmou ela, que é moradora da capital paulista. "Se você pega a educação, hoje, as pessoas só sabem falar do Fidel (Castro, morto em 2016). Se você fala do outro lado, as pessoas não sabem."
Já a economista Lolita Sala, de 56 anos, afirmou ter ido à Câmara para evitar que a aprovação do projeto pudesse criar algum instrumento que facilitasse perseguições a professores.
"O nome 'Escola Sem Partido' é um nome falacioso para um projeto que não quer que as escolas sejam sem partido. O que eles querem é que as escolas não tenham partidos de esquerda e que não tenham discussões políticas de nenhum tipo", afirmou Lolita. "Ninguém quer que as escolas querem tenham um único partido, queremos senso crítico", completou.
Votação
O projeto de Tuma é de 2014 e, para ser aprovado, precisaria passar ainda pelas comissões internas na Câmara (como Constituição e Justiça, Educação etc). A mesa da Câmara aceitou a inclusão do texto na pauta e convocou o chamado Congresso de Comissões - quando os representantes de todas as comissões se reúnem e aprovam, mesmo sem o tempo de debate das comissões. Vereadores contrários ao projeto passaram então a obstruir a votação, pedindo tempo de fala.
A vereadora Sâmia Bomfim (PSOL) conseguiu interromper o debate ao pedir contagem de presentes. Para derrubar o Congresso, os integrantes da Comissão de Educação não assinaram presença e conseguiram suspender os trabalhos.
Depois de muita gritaria vinda das galerias, o que resultou na suspensão da sessão por quase 20 minutos, os vereadores conseguiram retomar os trabalhos, para discutir apenas um item: um projeto da gestão João Doria (PSDB) que libera a exploração publicitária em banheiros públicos, um fatiamento de um projeto que previa liberar anúncio em uma série de equipamentos públicos, como quiosques.
"O projeto Escola Sem Partido polariza muito a sociedade, mas vejo que foi colocado na pauta como uma cortina de fumaça. Ele desvia completamente o debate, tira a qualidade da educação do centro do debate. Não é à toa que ele foi colocado no momento em que se discute um tema como o orçamento do ano que vem, que prevê redução na Saúde e na Educação", afirmou Sâmia.
Já Tuma afirma ter colocado o tema em discussão "fundamentalmente para promover uma neutralidade nas escolas públicas e permitir a liberdade de expressão, de conhecimento e construção nas escolas, mas sem o viés de esquerda, sem o viés de direita".
"O que me motivou também a apresentar o projeto foram os materiais didáticos distribuídos pelo governo federal em gestões passadas, que traziam, nas matérias de oratória, fotos como de Fidel Castro como grande orador e estadista", disse o vereador.
Como ainda havia expectativa de projetos de vereadores fossem discutidos, após a votação do texto do Executivo, militantes dos dois lados ainda ocupavam as galerias da Câmara, trocando gritos de ordem.
A reportagem ainda tenta contato com Fernando Holiday para comentar o caso. A sessão da Câmara ainda estava em andamento às 19 horas desta quinta.