Violência doméstica: maridos que matam as próprias esposas passam a receber pensão do governo (Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 12 de março de 2018 às 11h41.
Última atualização em 7 de agosto de 2018 às 14h30.
Março de 2013, passava das 21h, Claudenice Josefa Olímpia, uma comerciante de 33 anos estava na rua conversando com vizinhos quando seu marido voltou para casa bêbado. Por ciúmes, ela foi assassinada por ele, a facadas em cima da própria cama em Caruaru, Pernambuco. Réu confesso, Evandi Guilherme da Silva, foi preso por homicídio. Após o crime, ele passou a receber do governo brasileiro, R$ 678 por mês a partir de 2013 até que a filha do casal completasse 21 anos, em 2017. Ao todo, o Estado deu R$ 34.578 ao assassino.
São casos como esse que o governo brasileiro está trabalhando para que não aconteçam mais. No país com o 5º maior número de feminicídios do mundo, segundo informações no site do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Evandi foi obrigado a devolver aos cofres públicos o valor recebido, acrescido de juros e correção monetária.
A iniciativa acontece após duas importantes mulheres do alto escalão do governo brasileiro tomarem uma pequena, mas importante medida para que os agressores passem a sentir, no próprio bolso, o efeito da violência doméstica cometida por eles.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a advogada-geral da União, Grace Mendonça, assinaram acordo de cooperação que suspende a pensão por morte concedida a autores de crime de violência doméstica. “Pode parecer pequeno, singelo, mas tem um intuito pedagógico”, disse Grace Mendonça em entrevista à Bloomberg.
A medida, tomada em novembro, já foi aplicada em pelo menos 10 casos, segundo dados da AGU enviados à Bloomberg. De acordo com o governo, nesses processos, os agressores precisarão devolver aos cofres públicos a pensão por morte recebida após o crime contra sua ex-parceira corrigidos e acrescidos de juros.
De acordo com a AGU, a expectativa é de R$ 1,9 milhão seja devolvido ao governo. “Esses agressores não podem ser premiados, eles têm que ser punidos”, garante Grace.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Violência Doméstica, de 2016 ao início de 2018, o Brasil registrou mais de 1 milhão de casos de violência contra a mulher. Dados do IBGE apontam que apenas 7,9% dos municípios brasileiros têm delegacias especializadas para atender mulheres.
Para a advogada Letícia Vella, da ONG Coletivo de Saúde Feminista Sexualidade e Saúde, a medida da AGU é “a pontinha do iceberg”. Ela avalia que o governo precisa fortalecer as políticas públicas de amparo à violência doméstica durante todo o ano. “Ela tem que se sentir segura para ir à rede e denunciar, evitando chegarmos ao feminicídio”, disse. “É preciso ensinar nas escolas, levar o tema desde a infância para diminuirmos essa diferença de gênero e não ter mais esse tipo de violência”.
Dois em cada três brasileiros viram uma mulher sendo vítima de algum tipo de violência em 2016, segundo pesquisa do Datafolha publicada em 2017. O estudo diz ainda que, em 61% dos casos, o agressor é conhecido da vítima, 19% são cônjuges e outros 16% são ex-companheiros. Dados do Datafolha mostram ainda que 43% dos casos de violência acontecem dentro da casa.
Isso foi o que aconteceu com Ana Grasiella Oliveira Montes, morta asfixiada aos 19 anos pelo namorado, Arismar Brito Rodrigues, por ciúme. O assassino também foi obrigado a devolver à União, em valores corrigidos, os R$ 645,09 mensais que ganhou através da pensão por morte desde que cometeu o crime.
Num país comandado por homens, a iniciativa de retirar do agressor um benefício concedido pelo Estado partiu de duas das poucas mulheres que compõem o alto escalão brasileiro.
Raquel Dodge e Grace Mendonça foram escolhidas pelo presidente Michel Temer que tem, entre 29 ministérios, 28 comandados por homens.
A única mulher da alta cúpula do governo é a advogada-geral, Grace Mendonça. Raquel Dodge é procuradora-geral da República e não integra a lista.