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A verdadeira guerra cambial só tem dois combatentes: Estados Unidos e China

Segundo economistas, declaração de Guido Mantega ganha as páginas dos jornais no mundo, mas não reflete a realidade cambial do Brasil

Valorização artificial do yuan é a principal fonte de distorção no mercado cambial global  (.)

Valorização artificial do yuan é a principal fonte de distorção no mercado cambial global (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

São Paulo - Até esta segunda-feira, o termo "guerra cambial" era utilizado para denominar um conflito econômico relativamente antigo entre Estados Unidos e China. A causa do 'desentendimento' é de fácil compreensão. Nos últimos anos, o governo chinês mantém artificialmente desvalorizada a sua moeda, o iuane - o que explica boa parte da competitividade dos produtos chineses no mercado mundial.

A medida causa desconforto em economias desenvolvidas que possuem regime de câmbio flutuante e não podem dar-se ao luxo de manipular a cotação de suas moedas. 'Guerra Cambial' também é o título de um best seller chinês lançado em 2007 e que critica a suposta atuação dos EUA junto aos bancos centrais mundiais para manter o dólar valorizado.

Nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, proferiu o mesmo 'termo apocalíptico' e foi parar nas manchetes dos principais meios de comunicação. Na edição de terça do Financial Times, uma reportagem atribuía a Mantega a 'coragem' de ter explicitado ao mundo a manjada manobra econômica de desvalorização do câmbio para estimular as exportações - modelo que tem sido adotado por alguns países da Ásia nos últimos meses.

Outro fator que motivou a frase foi o fato de o Banco Central do Japão (BoJ), que não intervinha no valor de sua moeda há mais de seis anos, ter vendido 2 trilhões de ienes (ou 23 bilhões de dólares) no início do mês para conter sua alta.

Para os especialistas ouvidos pelo site de VEJA, a frase de Mantega, nesse contexto, é simbólica e foi dita em momento pertinente. No entanto, o ministro exagera ao colocar o problema como uma 'guerra cambial internacional', na qual o Brasil e o real desempenhariam papeis de protagonistas.

Nos últimos doze meses, enquanto o real se valorizou cerca de 5% sobre o dólar, a moeda australiana teve alta de 11% e o peso mexicano subiu 8,17%. Já o dólar canadense registrou apreciação de 6,3%. "Não existe nenhuma guerra. Há uma valorização sistêmica nos países exportadores de commodities. E o Brasil faz parte desse grupo", afirma o economista Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria.

A verdadeira 'guerra cambial' continua a ser a velha desavença entre EUA e China a respeito dos valores de suas moedas – que, a propósito, ganhou ainda mais força nos últimos anos após a eclosão da crise financeira gestada em Wall Street e que se espalhou pelo planeta. "Se a China fizer uma intervenção que valorize o iuane, poderá trazer certo reequilíbrio ao sistema cambial mundial", afirma Robert Wood, analista sênior para América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU).


Segundo o economista, qualquer intervenção de curto prazo feita pelo Brasil para conter a alta do real não deverá surtir efeito no panorama global - e tampouco se sustentará no mercado local por conta do aquecimento econômico da economia doméstica. "As moedas de países exportadores de commodities flutuam em relação ao preço desses produtos. Enquanto a China crescer, essas moedas permanecerão fortes", afirma Wood.

Para os especialistas, medidas de curto prazo - como o possível aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cogitado nesta terça-feira por Henrique Meirelles, presidente do Banco Central - deveriam ser substituídas por estratégias de longo prazo, que estimulem a competitividade dos produtos brasileiros.

Taxar ainda mais o capital externo para inibir a procura pelo real por parte dos investidores estrangeiros seria uma alternativa a ser evitada. "É preciso abrir mais a economia, reduzir a carga tributária e melhorar a logística do país. E isso não é novidade para o governo", afirma Blanche.

Fundo Soberano
Lançar mão de um fundo soberano para, entre outros atributos, equilibrar o câmbio, seria uma das alternativas sustentáveis do governo. Após utilizar o Fundo Soberano do Brasil (FSB) para receber ações da Petrobras que estavam em poder da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Fazenda anunciou que poderá usá-lo para comprar dólares e, assim, tentar conter a valorização do real. "Um fundo soberano deve servir para beneficiar o país, e não para comprar ações da Petrobras e fazer operações com BNDES", afirma Blanche, citando o exemplo do Chile como um bom modelo a ser seguido.

No início do ano, quando regiões inteiras do país foram devastadas por um terremoto, o governo da ex-presidente Michelle Bachelet anunciou que parte dos 14,7 bilhões de dólares dos dois fundos chilenos seria usada na reconstrução das áreas afetadas.

No Chile, os fundos soberanos investem em papeis governamentais (como títulos do governo) com o objetivo de acumular recursos para investimentos locais. Não há investimentos em empresas de capital privado. O país é o principal produtor de cobre do mundo e guardou em seus fundos os recursos oriundos do tempo em que o preço do cobre atingiu seu auge, antes da crise financeira.

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