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Vai para a Copa no Rio? Deixe o colar de ouro em casa

Crime nas ruas está aumentando rapidamente na cidade, enquanto a polícia se prepara para receber os 400.000 torcedores para o torneio


	Policial na Favela da Maré: desordem coincide com uma economia em desaceleração e com um crescente descontentamento após uma década de maior paz nas favelas da cidade
 (Dado Galdieri/Bloomberg)

Policial na Favela da Maré: desordem coincide com uma economia em desaceleração e com um crescente descontentamento após uma década de maior paz nas favelas da cidade (Dado Galdieri/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2014 às 17h20.

Rio de Janeiro - Os dois meninos tinham facas. Então Carlos Guzmán entregou a aliança de casamento, o iPhone e a carteira. O que realmente o irritou foi que a polícia tenha dito que sabia onde um dos meninos morava, mas não fez nada.

“Eles me disseram que tive sorte por não ter oferecido nenhuma resistência, porque esse menino é conhecido por esfaquear pessoas, mas, como ele é menor de idade, não podem fazer nada”, disse Guzmán, 36. “Acho que isso vai piorar com a Copa do Mundo”.

O crime nas ruas está aumentando rapidamente no Rio de Janeiro, o principal destino turístico do Brasil, enquanto a polícia se prepara para receber os 400.000 torcedores esperados para o torneio quadrienal de futebol, que começará em seis semanas.

A desordem coincide com uma economia em desaceleração e com um crescente descontentamento após uma década de maior paz nas favelas espalhadas pela cidade.

Os assaltos subiram 19 por cento no ano passado, para 37.412, conforme cifras oficiais. É o dobro da quantidade em Nova York e na Cidade do México, embora o Rio, com 6,3 milhões de moradores, tenha aproximadamente 2 milhões de habitantes a menos.

Na principal área turística, que inclui os bairros de Copacabana, Flamengo e Ipanema, onde Guzmán foi assaltado, os crimes desse tipo aumentaram 49 por cento. Os assaltos lá subiram 53 por cento em janeiro em relação ao ano anterior.

No ano passado, as praias de Ipanema e do Arpoador sofreram uma série de incidentes conhecidos como “arrastões”, nos quais gangues atravessam multidões batendo nas pessoas e arrebatando o que podem. Enquanto o canal de televisão Globo gravava uma entrevista com uma mulher sobre os assaltos, um menino tirou o colar da entrevistada e o entrevistador saiu correndo atrás dele, em vão.


“Sabemos que o nosso país pode ser prejudicado se essa violência for vista pelo mundo”, disse aos jornalistas o Ministro dos Esportes do Brasil, Aldo Rebelo, em dezembro.

Presença policial

Durante a Copa, a polícia planeja proteger um perímetro em volta do estádio Maracanã, onde será disputada a final, e de outras áreas turísticas, e empregará quase 7.000 policiais militares, incluindo 2.000 cujas férias foram adiadas, de acordo com um comunicado de 10 de abril. Outros 156 policiais que falam idiomas estrangeiros trabalharão espalhados pela cidade.

A presença policial no Rio cresce à medida que as autoridades se preparam para a Copa e para os Jogos Olímpicos de 2016. As forças das polícias militar e civil chegaram a 54.173 homens em 2013, 11 por cento a mais do que em 2007, segundo a Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG).

A chegada de turistas estrangeiros ao Rio subiu para 1,76 milhão de pessoas em 2012 frente a 1,46 milhão há uma década, segundo os dados mais recentes. A agência nacional de turismo, Embratur, espera 600.000 turistas durante o mês de duração da Copa, e dois terços deles passarão pelo Rio.

Causas disputadas

Os funcionários discordam sobre os fatores por trás da alta do crime. As estatísticas variam devido a “diversas razões operacionais”, disse a SESEG em um comunicado por e-mail. José Mariano Beltrame, diretor de segurança do estado do Rio, não quis conceder uma entrevista.


Pedro Fernandes, Secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do estado do Rio, disse acreditar que o aumento no crime provenha de um maior consumo de drogas, especialmente do crack.

Outros especialistas discordam. Não há pesquisas que documentem um aumento no consumo de crack que esteja afetando o crime, disse Ignacio Cano, professor de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “A ideia de que o crack esteja atrás do crime é uma mistificação”, disse Cano.

Pobreza persistente

Cano aponta para a pobreza persistente nas favelas, lar de 1,4 milhão de pessoas, o equivalente a 22 por cento da população, mesmo com as gangues do tráfico em retirada. Desde 2008, a polícia montou 37 das chamadas unidades de pacificação (UPP) em favelas antes controladas pelo tráfico de drogas.

A atuação das unidades começa com a ação da polícia, às vezes acompanhada de tropas e veículos blindados, para assumir o controle das favelas e permanecer lá durante meses, ao contrário da antiga tática de incursões relâmpago para capturar criminais e confiscar drogas. Essa tática com frequência levava a combates encarniçados.

Em meio à repressão, a economia nacional tem cambaleado. O PIB expandiu-se a uma média de 2 por cento entre 2011 e 2013, o menor ritmo por três anos em uma década. A mediana de previsões de economistas consultados pela Bloomberg é de um crescimento de 1,8 por cento para este ano. Entre 2006 e 2008, a economia cresceu a um ritmo anual de 5,1 por cento.

Embora a cidade pareça um enorme canteiro de obras, os 24.211 empregos criados no Rio nos 12 meses finalizados em março equivalem a menos da metade da quantidade de empregos criados no mesmo período do ano anterior, segundo o Ministério do Trabalho.


O Rio continua sendo muito menos perigoso do que era durante a década de 1990, e a recente reversão provavelmente não afetará os investimentos, de acordo com James Guldbrandsen, gerente de ativos no Rio para a NCH Capital Inc., com sede em Nova York.

“Quando cheguei aqui, há 17 anos, era um lugar completamente diferente; não se podia sair do hotel em Copacabana à noite”, disse Guldbrandsen em uma entrevista. “Agora, nada a ver. Sim, são pequenos passos, mas estamos avançando”.

Em 2012, os homicídios no Rio caíram para o menor nível em mais de duas décadas, embora tenha sido registrado o primeiro aumento em quatro anos, em 2013, equivalente a 10 por cento.

Isso mal serve de consolação para Sydney Blumstein, 30, que estava pronta para curtir o sol e o samba quando chegou, no ano passado. Apenas seis horas depois, ela e uma amiga foram assaltadas em Copacabana. Uma semana depois, elas foram assaltadas novamente por dois adolescentes, perto dos Arcos da Lapa, um aqueduto do século 18 e atração turística.

Turistas advertidos

“Foi como ver com seus próprios olhos algo de que você ouviu falar, mas não acreditava até que acontece com você”, disse Blumstein, corretora de imóveis de Manhattan que já visitou 37 países, em entrevista por telefone. “Desde então, tenho falado para todos que me perguntaram sobre o Brasil: não leve nada muito valioso, porque é bem provável que você não volte pra casa com ele”.

Quanto a Guzmán, que foi assaltado no bairro de Ipanema às 20 h, a polícia disse que os oficiais não podiam prender o suposto perpetrador, porque ele não foi pego no flagra. Ele será chamado para dar depoimento, conforme um comunicado da polícia.

Depois que Blumstein e sua amiga foram assaltadas com facas, a polícia apreendeu os meninos e, a pedido das turistas, soltou-os em troca da devolução da câmera delas. Elas deixaram que os meninos ficassem com o dinheiro e até lhes deram mais um pouco.

“A nossa vida é difícil mesmo”, disse um dos meninos, segundo Blumstein. “E parece que essas meninas levam uma vida muito fácil”.

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