Brasil

Vacinação privada cria fila paralela e desigual, diz Gonzalo Vecina

No último fim de semana, setor privado de clínicas de vacina iniciou uma negociação com laboratório indiano para adquirir 5 milhões de doses contra a covid-19

 (Frank Augstein/Reuters)

(Frank Augstein/Reuters)

GG

Gilson Garrett Jr

Publicado em 4 de janeiro de 2021 às 17h16.

Última atualização em 4 de janeiro de 2021 às 17h38.

Clínicas particulares abriram uma negociação para a aquisição de uma vacina contra a covid-19. De acordo com Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), o acordo pode levar à compra de 5 milhões de doses da Covaxin, imunizante fabricado pela farmacêutica indiana Bharat Biotech.

A previsão do setor é começar a vacinação em março. As 200 associadas da entidade, que representam 70% do mercado privado nacional, terão prioridade na aquisição do imunizante.

Na opinião de Gonzalo Vecina, um dos maiores médicos sanitaristas do país e que foi presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre 1999 e 2003, a disponibilidade de uma vacina no setor privado neste momento pode criar uma fila paralela e desigual.

O Ministério da Saúde ainda não tem uma data para o início da vacinação contra o coronavírus no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Há uma expectativa de que a imunização comece entre os dias 20 de janeiro e 10 de fevereiro. Mas isso depende do registro de uma vacina aqui no país. Nenhum laboratório fez o pedido por enquanto, nem mesmo o de uso emergencial.

De acordo com Vecina, não há na legislação brasileira uma regra que obrigue as clínicas particulares a cumprirem a mesma prioridade de vacinação prevista pelo Ministério da Saúde, como profissionais de saúde e idosos. O governo federal disse nesta segunda-feira, 4, que a rede privada vai precisar seguir o mesmo protocolo público, sem explicar os detalhes.

Veja a entrevista exclusiva que Vecina concedeu à EXAME por telefone. 

Há algum risco dessa negociação do setor privado atrapalhar a urgência do setor público em vacinar a população por meio do SUS?

Em tese, eu não vejo que a negociação atrapalhe a urgência do setor público em vacinar a população por meio do SUS. Claro que as vacinas destinadas ao setor privado poderiam ser empregadas pelo setor público e diminuir o tempo que vamos demorar para ter a cobertura necessária, mas de alguma forma o setor público deixou de negociar a compra dessas vacinas. O volume dessa compra é relativamente pequeno em relação ao que necessitamos para vacinar toda a população brasileira. Apesar de achar muito inadequado ter uma fila dupla de vacinação, eu não creio que isso possa trazer algum desajuste muito maior ao SUS. 

O que as clínicas privadas precisam cumprir para comprar uma vacina e disponibilizar para a população?

Basicamente ter dinheiro e cumprir com as regras da Anvisa para ter as condições necessárias para funcionar uma clínica de vacinação. Nada além disso. Quem precisa ter os atributos necessários é a empresa que vai pedir o registro da vacina, dentro do ponto de vista de segurança, eficácia e qualidade. 

A rede privada é obrigada a seguir o mesmo protocolo de prioridade que deve ser estabelecido pelo Ministério da Saúde?

A rede privada não é obrigada a seguir o mesmo protocolo de prioridade que deve ser estabelecido pelo Ministério da Saúde para a vacinação da população brasileira. Ela atenderá quem puder pagar. E por isso ela determina uma fila paralela e, portanto, desigual. Porém, nós vivemos em uma economia de mercado e do ponto de vista legal não há como impor uma vontade dentro do ordenamento jurídico até o momento. 

Se caso essa negociação for pra frente, o setor privado pode também disputar a busca por seringas e agulhas? Pode ocorrer algum tipo de desabastecimento no SUS?

Eu acho que esta questão das agulhas e seringas é um pouco menos complexa. Nós consumimos uma quantidade diária de 4 a 5 milhões de seringas, considerando que internamos 10% da população todos os anos. Sem levar em conta a atenção básica e prontos socorros. Se quiser comprar 320 milhões de seringas e agulhas, você não vai encontrar. Mas se quiser comprar de 10 a 15 milhões por mês, com certeza você encontrará. Com um pouco de inteligência é possível suprir essa necessidade.

Como o Ministério da Saúde deveria agir? Há alguma possibilidade de intervenção?

O Ministério da Saúde deveria agir antes. Deveria ter encomendado a vacina, ter feito um programa de vacinação, estar mais adequado, mais preparado para cobrir as necessidade da população brasileira. Quem cobriu a necessidade brasileira até agora foi a Fiocruz e o Instituto Butantan, que ao longo do ano de 2021 produzirão vacinas necessárias para cobrir toda a população. As informações que temos é que tanto o Butantan quanto a Fiocruz terão a capacidade de entregar ao governo 400 milhões de doses. Nós precisamos de 320 milhões para vacinar os 160 milhões de brasileiros, que é a população acima de 18 anos, alvo deste processo de vacinação. Mas quem providenciou foram as duas instituições, que são do estado, mas foram elas que negociaram sem que houvesse uma política pública determinando isso. O que eu espero é que eles sejam capazes de, ao longo do ano, entregar essas 400 milhões de doses e aí o governo faça o resto. O Ministério da Saúde precisa ter seringa, agulha, o plano. O governo poderia também ter comprado a vacina de outros laboratórios, como os Estados Unidos estão fazendo. 

Acompanhe tudo sobre:AnvisaCoronavírusMinistério da SaúdePandemiavacina contra coronavírus

Mais de Brasil

Escala 6x1: ministro de Lula vai receber Erika Hilton, que propôs PEC para reduzir jornada

Senado aprova autonomia na gestão financeira da PPSA, a estatal do pré-sal

Assassinato de delator do PCC é 'competência do estado', afirma Lewandowski

Alesp aprova proibição de celulares em escolas públicas e privadas de SP