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Uso de mensagens obtidas por hackers divide o STF

Definição sobre a validade dos diálogos como prova é crucial para desdobramentos da Operação Lava Jato; seis ministros já se manifestaram sobre o assunto

Justiça tributária viabilizada trabalha também na desigualdade social (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Justiça tributária viabilizada trabalha também na desigualdade social (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 2 de maio de 2021 às 16h54.

A validade das mensagens obtidas por hackers que entraram na mira da Operação Spoofing divide ministros do Supremo Tribunal Federal. O plenário da Corte ainda não decidiu sobre a licitude dessas conversas, obtidas por um grupo criminoso que invadiu celulares de autoridades e revelou mensagens atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro e a ex-integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Mesmo sem uma definição sobre a controvérsia, seis ministros do STF já se manifestaram sobre o assunto em julgamentos, decisões e entrevistas. A definição sobre a validade dos diálogos como prova ou não é crucial para o legado e desdobramentos da Lava Jato.

As mensagens apreendidas na Spoofing abalaram os processos decorrentes do trabalho da força-tarefa e colocaram em xeque a atuação de Moro e de procuradores de Curitiba. O conteúdo - de origem criminosa, e, portanto, ilícita - tem sido usado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reforçar a narrativa de que o ex-juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba agiu em conluio com procuradores e foi parcial nas investigações.

Outros réus da Lava Jato também buscam se beneficiar, na esteira do petista, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).

O assunto voltou à tona, no dia 22 de abril, no julgamento do Supremo em que a maioria dos ministros confirmou a decisão da Segunda Turma que havia declarado a suspeição de Moro no processo do triplex do Guarujá - Lula foi condenado nesta ação. O resultado marcou uma das maiores derrotas da Lava Jato na Corte.

Na sessão, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a operação. “Prova ilícita, produto de crime, é prova ilícita e sua utilização, sobretudo para sanção de quem quer seja, é expressamente vedada pela Constituição. Trata-se de material sem autenticidade comprovada. A partir da invasão criminosa de privacidade passou-se a vazar a conta-gotas cada fragmento do produto do crime do hackeamento, para que os corruptos se apresentassem como vítimas”, disse Barroso. A Constituição prevê que “são inadmissíveis, no processo, provas obtidas por meios ilícitos”.

“Nas conversas privadas, ilicitamente divulgadas, encontraram pecadilhos, fragilidades humanas e, num show de hipocrisia, muitos se mostraram horrorizados, gente cuja reputação não resistiria a meia hora de vazamento de suas conversas privada”, afirmou Barroso.

O tom incisivo do ministro irritou Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes - expoentes da ala crítica aos métodos da Lava Jato -, que bateram boca com o colega na sessão. Em março, com os votos de Lewandowski e Gilmar, a Segunda Turma do STF declarou Moro parcial.

Naquele julgamento, Gilmar e Lewandowski listaram sete episódios para demonstrar que Moro foi parcial na ação do triplex, como a condução coercitiva de Lula, a quebra de sigilo telefônico de advogados do expresidente e o levantamento do sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci na véspera do primeiro turno das eleições de 2018. As mensagens hackeadas foram usadas como “reforço argumentativo”.

“A utilização das referidas mensagens, como reforço argumentativo à corroboração das teses já contidas (de suspeição de Moro), revela-se, insisto, não apenas legítima, mas de indiscutível utilidade para evidenciar ainda mais aquilo que já se mostrava óbvio, isto é, que o paciente (Lula) foi submetido não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos, sem a necessidade de maiores elucubrações jurídicas”, disse Lewandowski.

Gilmar destacou que o Supremo entende que o interesse de proteção às liberdades do réu “pode justificar a relativização à ilicitude da prova”: “Na doutrina brasileira, sustenta-se a possibilidade de utilização de prova ilícita pró-réu, a partir do princípio da proporcionalidade, considerando o direito de defesa”. O terceiro voto pela suspeição de Moro veio da ministra Cármen Lúcia, que não se manifestou sobre a validade das mensagens dos hackers.

Contestado. Antes de Barroso expor no plenário seu entendimento sobre a polêmica, o uso dos diálogos obtidos pelos hackers já havia sido contestado pelos ministros Kassio Nunes Marques, Edson Fachin e Rosa Weber. No julgamento da Segunda Turma sobre Moro, Nunes Marques rechaçou as mensagens, sob o argumento de que validá-las seria uma forma de “legalizar a atividade hacker” no País.

“Se hackeamento fosse tolerável para meio de obtenção de provas, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, tudo seria permitido. São absolutamente inaceitáveis tais provas, por serem obtidas diretamente de crimes”, disse. “Essa prática abjeta de espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras. Não é isso que deve prevalecer em sociedades democráticas.”

Fachin considerou “inconcebível” a utilização do material “sem que as dúvidas sobre sua legalidade sejam completamente espancadas”. Em entrevista ao Estadão, o relator da Lava Jato disse que não acha que prova ilícita “pode ser varrida para debaixo do tapete, agora é preciso saber o que fazer com ela”.

Inquérito causa embate entre STJ e Supremo

Além de serem usados pela defesa do ex-presidente Lula, os diálogos hackeados apreendidos na Operação Spoofing serviram para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, determinar a abertura de inquérito sigiloso para apurar suposta tentativa de intimidação de ministros da Corte pela extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Uma das conversas divulgadas mostrou a intenção de procuradores de investigar, sem autorização, a movimentação patrimonial de integrantes do tribunal.

O inquérito, que causou reação do procurador-geral da República, Augusto Aras, foi suspenso pela ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, o que acirrou os ânimos entre as Cortes. Para Rosa, não se pode usar prova ilícita para condenar alguém. “Não há margem no texto constitucional que admita interpretação voltada a legitimar seu uso (das mensagens hackeadas) em processo voltado à responsabilização criminal de alguém, por mais graves que sejam os fatos imputados.”

O uso das mensagens esbarra, ainda, em relatório da Polícia Federal, que concluiu não ser possível confirmar a autenticidade dos diálogos. “A autenticidade e a integridade de itens digitais obtidos por invasão de dispositivos não se presumem, notadamente quando se reúnem indícios de que o invasor agiu com dolo específico não apenas de obter, como também de adulterar os dados”, diz documento da PF. O relatório reforça a posição da Procuradoria-Geral da República contra o inquérito do presidente do STJ.

Para o advogado Marcelo Knopfelmacher, defensor dos procuradores da Lava Jato, o conteúdo hackeado é “ilícito” e “imprestável”. “A PF fez constar que o material não pode ter sua autenticidade aferida.” Moro não se manifestou, mas já disse não reconhecer a autenticidade das mensagens. O STJ declarou que “não há nada a informar” sobre o inquérito de Martins.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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