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Uma novidade das eleições: começam as vaquinhas online

Dez empresas de crowdfunding foram autorizadas a operar a partir de terça-feira, e outras 29 estão na fila. Quais os riscos envolvidos?

 (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

(Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 13 de maio de 2018 às 09h43.

Última atualização em 14 de maio de 2018 às 11h30.

Depois do prazo final para filiação de pré-candidatos aos partidos em abril, a campanha eleitoral dá mais um passo na semana que se inicia. A partir de 15 de maio, próxima terça-feira, os interessados em disputar uma cadeira de deputado estadual, distrital, federal, senador, governador ou presidente da República podem lançar campanhas de financiamento coletivo online, os crowdfundings.

Será a primeira vez que será possível doar aos candidatos em plataformas do tipo, algo que já acontece em grandes eleições mundo afora, como nos Estados Unidos. Além de facilitar a vida de quem pretende investir em uma candidatura, o novo método ajuda os próprios candidatos a “passar o pires” em momento de crise.

Sem as doações empresariais, consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, os diretórios partidários terão à disposição apenas o fundo eleitoral público aprovado na última reforma eleitoral. O montante dividido pelos candidatos passa de cerca de 5 bilhões de reais (em valores da época) em 2014 para 1,7 bilhão de reais em 2018.

Apesar de campanhas mais baratas serem um clamor natural da sociedade, em especial quando os recursos vêm dos cofres públicos, a falta de recursos fará os partidos darem prioridade às candidaturas competitivas. O sistema eleitoral de deputados federais segue sendo proporcional, portanto, investir em puxadores de voto continua sendo bom negócio para ampliar as bancadas na Câmara dos Deputados. O contexto pode causar uma redução do número de candidaturas por puro arrocho de contas. Em 2014, foram mais de 25.000 candidatos.

De qualquer forma, trata-se de um mercado poderoso para as plataformas de financiamento coletivo. O interesse das empresas em ter sua fatia nesse bolo é notável. As contas mostram que o mercado é ótimo. Cada candidato tem um limite elástico de gastos para sua campanha e cada empresa de financiamento recolhe em média 5% ou 6% do que arrecada para si.

Candidatos à Presidência da República têm limite de gastos de 70 milhões de reais cada; governadores, de 2,8 milhões a 21 milhões de reais a depender do tamanho do estado; senadores, de 2,5 milhões a 5,6 milhões de reais; deputados federais, 2,5 milhões de reais; os demais, 1 milhão de reais.

Como o fundo eleitoral não será suficiente para todos, as empresas do setor se animaram. Nesta semana, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou 20 empresas interessadas em participar do financiamento de campanhas a operar na eleição. Outras 29 aguardam avaliação do órgão para operar.

Grandes empresas como o Catarse ficaram de fora. Em nota à reportagem, a empresa diz que “por enquanto” não entrará no jogo. “Uma vez que o Catarse tem um foco em projetos criativos, mesmo com as novas normas manteremos as atuais diretrizes de criação de projetos, que não permitem a captação para campanhas eleitorais”, afirma.

Entre as mais conhecidas plataformas já aprovadas pelo TSE está o site Vakinha.com.br. Os planos são ambiciosos. A empresa espera fechar com 1.500 candidaturas país afora, captando em média 50.000 reais por parceria – um total de 75 milhões de reais em faturamento nas eleições de outubro.

As regras básicas do crowdfunding foram estabelecidas na esteira da mesma reforma que estabeleceu o fundo público. Foi aprovado o projeto de lei 8612/17, que dá diretrizes como a necessidade de dar recibo ao doador, identificá-lo e publicar seus dados à Justiça Eleitoral dentro do prazo. Na outra ponta, terá de deixar claro quem é o candidato beneficiado, expor as taxas cobradas e devolver o dinheiro ao doador em caso de desistência do político.

A feroz disputa pelos contratos deve ter como norte as candidaturas de grande apelo popular, mas com poucos recursos. As meninas dos olhos, portanto, serão candidaturas como a do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ).

Filiado a um partido nanico, mas poderoso nas redes sociais, o capitão do exército sinalizou que recusará recursos do fundo público em sua campanha. Seu partido inteiro teria direito a “apenas” 9 milhões de reais. Só em seguidores no Facebook, o deputado tem 5,3 milhões. O potencial de arrecadação é enorme e daria uma bela fatia à empresa que ele escolher para intermediar as doações. O mesmo deve acontecer com partidos mais ideológicos ou populistas, com candidatos bons de discurso e fracos de recursos. Por enquanto, contudo, ele diz que não vai aderir ao crowdfunding.

Campo aberto? 

O desafio será mitigar fraudes. As eleições municipais de 2016 foram a primeira experiência do país sem o financiamento empresarial de campanhas e demonstram problemas. Um balanço feito pelo TSE mostra que foram encontrados indícios de irregularidade em 259.000 doações de campanha, um valor que ultrapassa 1 bilhão de reais.

Nos casos mais marcantes, doadores cadastrados em programas sociais, como o Bolsa Família, constavam na lista de doadores de candidatos a prefeito ou vereador. Uma das principais preocupações é de que se tratavam de laranjas para injeção de recursos do crime organizado na política.

“O financiamento coletivo não muda o cenário das doações individuais. As questões de segurança ainda estão muito ligadas à fiscalização que acontecem durante ou depois da eleição, com o cruzamento de dados das pessoas com dados de Receita Federal. Hoje temos mecanismos muito melhores”, diz Diogo Rais, advogado e professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Neste ano, segundo o TSE, a estratégia para fiscalização do financiamento das eleições será dividida em eixos de transparência e intercâmbio de dados. Órgãos como a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União e o próprio Ministério Público Federal trabalharam em parceria com a Justiça Eleitoral para identificar problemas.

“Em relação à transparência, o TSE vai divulgar todas as doações e todos os gastos declarados pelos candidatos/partidos, a cada 72 horas, em sua página de internet, por meio de consultas individuais ou do download de toda a base, o que permite o uso de ferramentas de business intelligence por órgãos de fiscalização, imprensa e ONGs de transparência”, diz o tribunal. “Para esta eleição, o TSE também pretende colocar em prática uma ferramenta que permita comparar os saldos de doações e gastos entre candidatos”.

Um gargalo sem resolução, admitem a EXAME fontes que trabalham com financiamento de campanha, é o repasse pulverizado de dinheiro a uma série de laranjas em situação fiscal adequada. Há um limite de doação de 10% dos ganhos da pessoa física naquele ano. Se um terceiro paga essa fatura sem exceder essa condição, a descoberta pelas autoridades se torna mais difícil.

Dentro das empresas há também parceria com sistemas bancários, o que permite uma “checagem de antecedentes” do doador. Em caso de doação suspeita ou cadastramento sequencial de CPFs, o valor nem é passado adiante. “Temos até um sistema que identifica se o IP de um mesmo computador tenta cadastrar diferentes doadores e um algoritmo para identificar se os dados de cartão de crédito são daquela pessoa e é um cartão de pessoa física”, diz Luciano Antunes, representante da empresa Doação Legal, parceira do Vakinha no projeto.

Como tudo que envolve eleições no Brasil, é o dia-a-dia que vai mostrar a efetividade das novas ideias. As doações coletivas são uma boa oportunidade para os eleitores, para os candidatos mais populares e para os donos das empresas de financiamento coletivo — mas, infelizmente, também abrem brechas para uma nova leva de maracutaias. A ver se funciona.

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