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Um ano após Olimpíada, Rio encara retorno da violência

A cidade convive com uma sensação de chance desperdiçada após os R$ 43,3 bi investidos nos Jogos, em meio a uma grave crise econômica no Estado

Arcos olímpicos no Parque Madureira no Rio de Janeiro, dia 2/8/2017 (Ricardo Moraes/Reuters)

Arcos olímpicos no Parque Madureira no Rio de Janeiro, dia 2/8/2017 (Ricardo Moraes/Reuters)

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Reuters

Publicado em 4 de agosto de 2017 às 16h08.

Rio de Janeiro - Para uma cidade que prometeu se redescobrir por meio dos investimentos bilionários para a realização dos primeiros Jogos Olímpicos na América do Sul, o Rio de Janeiro completa um ano desde a realização da Olimpíada sem motivos para comemorar e com dúvidas sobre os benefícios prometidos para a população depois dos Jogos.

Com um forte retorno da violência ao cotidiano dos moradores, um pedido de socorro às Forças Armadas para reforçar a segurança e promessas de legado olímpico sem perspectiva de cumprimento, a cidade convive com uma sensação de chance desperdiçada após os 43,3 bilhões de reais investidos nos Jogos, em meio a uma grave crise econômica no Estado.

"Nós perdemos a oportunidade olímpica. A Olimpíada, pelo seu tamanho, pela influência que tem, os olhos do mundo se voltaram para a gente. Era natural que você pudesse atrair para cá novas experiências, novas tecnologias", afirmou à Reuters o velejador e ambientalista Axel Grael, um dos fundadores do Projeto Grael, que trabalha na despoluição da Baía de Guanabara, cuja limpeza está entre os legados olímpicos não cumpridos.

Como parte de sua candidatura olímpica, o Estado do Rio de Janeiro se comprometeu a despoluir 80 por cento das águas da Baía, o que não aconteceu. Águas que receberam competições durante os Jogos foram consideradas impróprias para banho no mês passado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

A falta de progresso na luta contra a poluição na Baía de Guanabara se repete em diversos outros aspectos da vida na cidade, onde a euforia da Olimpíada um ano atrás deu lugar a um sentimento de frustração e medo da violência.

Diante de uma grave crise fiscal no governo do Estado que reduziu os recursos disponíveis para segurança, a promessa de que a passagem da Olimpíada transformaria o Rio em uma cidade menos violenta agora se contrasta com a imagem dos 8.500 militares convocados no final de julho para tentar garantir a segurança dos cariocas.

A proteção adicional vem em um momento em que o número de mortes violentas no Estado saltou de 2.466 nos primeiros seis meses de 2015 para 3.467 de janeiro a junho deste ano, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP).

"Não só a promessa de uma cidade segura não foi cumprida, como a situação no Rio de Janeiro se deteriorou dramaticamente", afirmou Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional.

O principal projeto de segurança para a cidade no projeto olímpico era a instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) em dezenas de favelas, mas o programa entrou em crise no último ano em decorrência da falta de recursos, provocando um recrudescimento da violência em áreas que antes eram consideradas como pacificadas.

Para o sociólogo Ignácio Cano, o retorno da violência a altos índices do passado é reflexo da crise econômica brasileira no Estado.

"Nós temos a situação política e econômica de crise profunda, a impossibilidade de investir em novas políticas, de contratar policiais no seu tempo livre, de repor as forças policiais. O somatório é essa crise que nós estamos vendo", disse o sociólogo em entrevista à Reuters.

Parque Olímpico vazio

Para além da segurança, a frustração das promessas dos Jogos se estende até o Parque Olímpico, que chegou a receber mais de 150 mil visitantes por dia durante o evento, mas que ostenta mais de 1 milhão de metros quadrados praticamente inutilizados pela população.

A Arena do Futuro, um dos principais símbolos do legado do evento, seria desmontada e transformada em quatro escolas, mas continua de pé e sem uso, sem qualquer previsão de desmonte.

Já a Arena Carioca 3, que abrigaria uma escola de esporte em tempo integral, hoje está aberta ao público somente nos finais de semana e feriados, quando recebe campeonatos de federações parceiras.

A falta de recursos é a principal responsável pelo atraso nos projetos, reconhece a subsecretária de Esportes da Prefeitura do Rio, Patrícia Amorim.

"Existe a programação, existe o projeto de legado que a gente quer seguir, mas não temos ainda condições financeiras", afirmou.

Outro projeto de legado descumprido é o Parque Radical de Deodoro, onde aconteceram competições de canoagem, mountain bike e BMX nos Jogos. O local seria transformado em um parque de lazer para a população da região, mas está fechado desde dezembro do ano passado.

Segundo a prefeitura, a abertura do local acontecerá em setembro, após mais de um ano de inatividade.

O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, defendeu uma maior tolerância para a demora com o legado dos Jogos do Brasil, citando a grave crise atravessada pelo país.

"Vocês têm que dar essa oportunidade à Rio 2016 e, dadas as circunstâncias muito difíceis, dar a eles uma extensão desse tempo porque, talvez nessa situação de emergência, eles tenham outras prioridades", disse Bach nesta sexta-feira, em Londres.

Vila sem moradores

A poucos minutos do Parque Olímpico, dois complexos residenciais construídos em decorrência dos Jogos chamam a atenção por suas contradições: a moderna e luxuosa Vila dos Atletas, trancada e sem moradores, e a humilde e resistente Vila Autódromo.

Localizada ao lado do Parque Olímpico, a comunidade foi alvo de despejos e a grande maioria dos moradores foi realocada para abrir espaço para estacionamentos e vias de acesso ao Parque Olímpico, mas 20 famílias permaneceram.

Sandra Regina Damião, de 54 anos, conta que não aceitou nenhuma indenização para deixar sua casa porque nunca viveu em um lugar tão tranquilo como a Vila Autódromo, onde mora há 21 anos.

"Era uma comunidade modelo, porque não tinha tráfico, não tinha milícia, não tinha nada", disse Sandra, que afirmou nunca ter visitado o Parque Olímpico apesar de estar do outro lado do muro.

Para os moradores que não aceitaram nenhuma proposta para deixar a área, foram construídas 20 casas simples, que apagaram a antiga identidade cultural do local.

Do outro lado da Lagoa de Jacarepaguá, os 31 edifícios que formavam a Vila dos Atletas, casa para cerca de 17 mil pessoas durante os Jogos, estão fechados com cadeado, e só cerca de 40 por cento das unidades foram vendidas.

Segundo a Odebrecht Realizações Imobiliárias, responsável pela construção do complexo, o empreendimento foi estruturado para uma comercialização de longo prazo "de forma que seja possível contemplar uma curva de vendas coerente com número de unidades e com a capacidade de absorção do mercado imobiliário local", e os apartamentos devem ser entregues aos compradores em dezembro de 2017.

Corrupção

Entre os legados positivos dos Jogos, a reforma da região portuária e a melhoria na mobilidade urbana são as que mais se destacam, mas ainda assim com prejuízos para a população.

A ampliação da rede de metrô da cidade e a construção de faixas exclusivas de ônibus, bem como o projeto imobiliário do porto, foram alvo de corrupção e pagamento de propinas milionárias, de acordo com investigações da operação Lava Jato.

Segundo os procuradores, que prenderam nesta semana o ex-secretário de Obras do Rio Alexandre Pinto --responsável por dezenas de projetos ligados à infraestrutura olímpica-- novas obras ainda serão investigadas, o que sugere que a decepção ainda pode aumentar.

"Nós temos um agravante nesse momento pós-Olimpíada que é a crise política, econômica, ética, tudo que o país vive, e que faz com que os recursos com que a gente contava... hoje não estejam mais disponíveis", afirmou Grael, irmão dos medalhistas olímpicos Torben Grael e Lars Grael.

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